O ditado diz que “a fruta não cai longe do pé”, e Karen Acioly e Dora Lutz, mãe e filha, mostram que é possível que a literatura esteja no DNA da família.
Lançado no final de julho de 2024, o livro “Experiência Yellow”, escrito por Karen Acioly e Ciro Acioli (mãe e filho), conta a história de Paulo, um adolescente beatlemaníaco que não consegue sair do seu quarto. Um dia, Paulo recebe a visita de John, George e Ringo, que estão precisando da sua ajuda para conseguir seguir com a banda. Então, eles embarcam em uma expedição cheia de musicalidades pelo rio São Francisco, em uma aventura que une Rio de Janeiro, Reino Unido e Amazônia, tudo em busca da sua identidade e daquele borogodó tão especial que só o Brasil podia acrescentar aos jovens de Liverpool.
Experiência Yellow, de Karen Acioly e Ciro Acioli
Em dezembro do mesmo ano, Dora Lutz se aventurou em uma jornada solo e publicou o seu livro “Em minhas veias corre uma formiga”, pela Editora Cachalote. Em sua estreia na poesia, Dora disseca a epiderme do cotidiano, deixando vir à superfície do corpo a água e o sangue, quase sempre ácidos. Imaginativa sem perder o solo, a autora esboça uma visão sobre o dia a dia a partir do trajeto de uma formiga pelo corpo humano. Dona de uma poética móvel, ora tátil como uma vértebra, ora angulosa como um solstício, a jovem desenvenena os leitores das substâncias que seu próprio livro esparrama.
Em minhas veias corre uma formiga, Dora Lutz
Em uma entrevista concedida para o JB em folhas, mãe e filha experimentaram uma nova dinâmica e se entrevistaram sobre os seus respectivos livros e experimentações narrativas. Dando início à entrevista, Karen não fugiu do seu papel de mãe e fez uma pergunta que qualquer parente curioso faria sobre a arte dos filhos.
Karen Acioly: Como você consegue escrever sem que eu veja? Nunca sei o que você está tramando ou escrevendo, até que de repente você me diz que um texto seu será publicado em algum lugar.
Dora Lutz: Bem, tomando os devidos cuidados e fechando a porta, não é impossível escrever sem ser vista. Além disso, o transporte público realmente me ajuda nesse sentido, porque quando estou no trânsito e, se possível, sentada, consigo rascunhar um texto em um caderno ou até mesmo no bloco de notas do celular. Meu processo de escrita é mais solitário, e prefiro não compartilhar até já estar próxima da versão final.
KA: E como surgiu a inspiração para pensar em uma formiga correndo nas veias?
DL: O livro passou por algumas diferentes versões antes de chegar à versão que foi publicada. Originalmente, se chamava Respingos e depois passou a se chamar Corpingo, que foi quando comecei a pensar em uma edição relacionada ao caminho pelo corpo. Em junho de 2023, eu estava na plateia de um sarau e notei que muitos dos artistas falavam sobre as veias da América Latina e que as veias estavam sendo um tema recorrente em vários poemas apresentados na noite. Isso me fez pensar “o que corre nas minhas veias?”, e de repente, sem explicação, a formiga me veio em pensamento e comecei a escrever ali mesmo o poema “Em minhas veias corre uma formiga”, que mais tarde se tornaria o meu poema-chave e título do livro.
DL: Devolvendo a pergunta, eu queria te perguntar qual foi a inspiração por trás do Experiência Yellow, livro que você escreveu e publicou com o Ciro, e o que te motivou a escrevê-lo.
KA: Esse livro foi uma aventura de escrita entre mãe e filho. Ciro sempre foi beatlemaníaco e sempre pensou muito sobre como seria o dia em que ele conhecesse John, Paul, George e Ringo. Inicialmente, pensamos em fazer uma adaptação de Submarino Amarelo (filme de 1968), mas a escrita foi tomando o seu jeito e cara, e nisso surgiu o personagem Paulo, um adolescente introspectivo, tímido, e que não consegue falar com Nina, a menina por quem é apaixonado. Quando John, George e Ringo o encontram e o convidam para fazer parte da banda, também perguntam “Quem é você?” e ele não sabe responder, mas ao longo da história vai se empoderando de quem é.
DL: O livro tem uma coisa muito interessante, que é a reescrita e reimaginação de letras dos Beatles em português, adequando-se ao cenário brasileiro. Como foi reimaginar e pensar junto ao Fran Papaterra a letra para canções como “Meu submarino”, “Se eu ficar gagá” e “Capivara”?
KA: A gente quis que as letras refletissem a cabeça do Paulo, seus conflitos interiores, seus desejos e devaneios. As versões de muitas músicas dos Beatles saíam da cabeça inspiradíssima do Fran Papaterra e a gente incorporava elas dentro do que é a cabeça movimentada e delirante do personagem Paulo. Poucas foram as vezes que pedimos para o Fran alterar uma ou outra palavra. Quem pode alterar letras tão bonitas como as que o Fran fez para “Capivara” (inspirada em “I am the Walrus”)?
Ai de mim
Que sou assim
Porque no fim, o mim sou eu, eu mesmo
Sou tamanduá, tutu, marambá, sou mais de mil
A esmo…
“Experiência Yellow” – Karen Acioly e Ciro Acioli | Editora Rocco | Número de páginas: 64
“Em minhas veias corre uma formiga” – Dora Lutz |Editora Cachalote | Número de páginas: 112
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