O dia de Bernardo Rubião começa na madrugada. Ele acorda às 4h50 da manhã e já começa a responder as mensagens referentes ao seu trabalho como Subprefeito da Zona Sul do Rio de Janeiro. Depois de levar sua cachorrinha para passear e fazer ginástica, parte para o Parque Garota de Ipanema, onde está localizada a Subprefeitura, ou começa a ronda, administrando problemas em algum dos 17 bairros que estão sob seu cuidado. Com 26 anos de idade — e alma de 40 —, ele passa o dia “apagando incêndios” pela cidade. Ou mediando, como gosta de dizer o advogado, formado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e fundador do Núcleo de Mediação da instituição, área na qual se especializou. Na sua opinião, “o diálogo é a única maneira de se chegar a um consenso entre duas ou mais partes.”
O jovem subprefeito, além de direito, estudou economia, e ingressou na política por meio do vereador Alexandre Arraes, após atuar como seu assessor jurídico. Há um ano, assumiu o comando da Zona Sul, que descreve como “a joia da coroa do Rio”, e acredita que o saldo foi positivo no decorrer do mandato. O grande desafio é administrar e equilibrar o que o Rio tem de mais peculiar: na mesma região há o metro quadrado mais caro da América Latina e 33 comunidades vizinhas. Sua rotina pode, em um dia, incluir uma visita à Associação de Moradores da Rocinha, pela parte da manhã, e uma reunião, à tarde, com os gerentes de hoteis da Avenida Atlântica. Rubião conversou com a equipe do JB em Folhas sobre esse novo momento profissional e a importância de saber navegar com sensibilidade em meio a tudo isso.
JB EM FOLHAS | Qual é a reclamação mais comum que você recebe dos moradores da região de abrangência do jornal (Do Humaitá à Gávea) ?
BERNARDO RUBIÃO | Vários moradores entram em contato comigo para reclamar do ruído das obras, mas nem sempre há o que fazer. Existem quatro leis do silêncio diferentes. A lei estadual, por exemplo, assegura que é permitido começar a trabalhar em uma obra das 6h da manhã às 10h da noite, de segunda a sábado. Por isso, prefiro agir pela lei do bom senso. O que mais recebemos aqui, são brigas de vizinho e conflito entre empresários, que pedem minha intervenção. Eu não gosto de tomar uma decisão de cima para baixo. Entendo que a executabilidade de um acordo entre partes é muito maior do que a executabilidade de uma sentença. Por isso, uso minhas ferramentas de mediação e tento juntar todo mundo para conversar sobre o problema, seja ele qual for.
JBemF – Muitas dessas reclamações de barulho vêm da parte dos moradores do Baixo Gávea, onde há diversos bares que ocupam as ruas, atrapalhando o trânsito e perturbando a paz. Existe solução para isso?
BR: É inconcebível ter um monte de pessoas na rua, no meio da faixa de rolamento, parando o trânsito e criando o risco de ocorrer um acidente. Estamos desenvolvendo uma solução, que será o deslocamento dos clientes dos bares para a Praça Santos Dumont, de maneira ordenada e controlada, para que não vire um caos. Não podemos ter bares servindo bebida a quem está na rua. Além disso, é o barulho dessa clientela que incomoda os moradores da região. Por isso, vamos afastar a fonte produtora de ruído e deslocar para um local amplo, onde o som pode se dissipar. Também reconheço que é importante ocupar certos espaços. Se deixarmos a praça vazia, vai haver uso indevido do local – como o consumo de drogas, por exemplo. Assim, quando a praça for visitada durante o dia, estará em péssimas condições, com cheiro de urina, lixo e etc. Propostas extremamente radicais, que pregam pela extinção da outra parte, estão fora de cogitação. Mas isso não nos impede de buscar uma solução que agrade a todos.
JBemF – Outra queixa constante, do Humaitá à Gávea, é o uso das calçadas, que excedem os limites da área do bar. O que pode ser feito para que o morador recupere seu espaço de circulação?
BR: Existe uma lei que prevê que, os bares que realizam serviço de atendimento na área externa, devem reservar uma faixa de 1,2 metro de largura para os transeuntes. O problema dessa legislação, é que não há nada que impeça os fregueses de ficarem em pé na área destinada à passagem. Assim como a lei do silêncio, ela possui algumas brechas. É mal feita. Porque, além dos clientes em pé, os garçons também vão utilizar esse espaço para servir. Eu oriento os estabelecimentos a pintar a calçada, limitando o uso do espaço. Mas, partindo da premissa de honestidade intelectual, é lógico que o empresário vai explorar essa lacuna legal, que nos traz grandes dificuldades.
JBemF – Ainda sobre o cuidado que os estabelecimentos devem ter com seus arredores, o que pode ser feito com a região do Parque dos Patins, que se encontra abandonada durante o dia, uma vez que os atuais quiosques estão agindo como boates – deixando de oferecer atendimento diurno?
BR: Eu sou um entusiasta da ideia de fazer acordo com os empresários que realizam eventos na cidade. Acredito que devem oferecer algo em troca do espaço que usufruem. Nesse ponto específico da Lagoa, estamos fazendo uma mediação mais ativa. Eu convoquei todos os donos dos quiosques para uma reunião, justamente para tratar disso. Expliquei que a área precisa ser ocupada e utilizada pelos moradores, e que eles não podem fechar durante o dia e agir somente como casa de festas – o que não são. Além de cuidar do volume do som, eles precisam cuidar do entorno do estabelecimento. Combinamos que, não só devem abrir durante o dia e oferecer serviço de restaurante, como precisam adotar a região ao redor, sem privatizá-la, é claro, cuidando da sua manutenção.
JBemF – Outro problema comum nessa região, cercada por ciclovias, é o mau uso das bicicletas elétricas. Sem nenhuma fiscalização sobre limites de velocidade ou uso correto das faixas, os moradores acabam acuados pelo crescimento expressivo dos veículos de duas rodas. O que pode ser feito para contornar essa questão?
BR: Existe a Resolução 996 do Contran (Conselho Nacional do Trânsito), criada em junho de 2023, que estabeleceu os critérios que definem o que é um veículo autopropelido e o que é motoneta. Essa lei, também é frágil. A gente enfrenta isso sobretudo nas orlas de Ipanema e Copacabana, porque as pessoas compram motocicletas, travestidas de bicicleta, e usam da maneira que bem entendem. Carecem de uma legislação sobre isso. Nós não podemos sair emplacando esses veículos e prendendo as pessoas por infringir as normas de trânsito. O boom dessas bikes surgiu na pandemia e agora tem até um serviço que aluga bikes para os gringos, que pilotam irresponsavelmente, com uma cerveja na mão enquanto gravam storys para redes sociais. Precisamos de uma determinação legal que abranja a realidade do Rio de Janeiro. Por enquanto, o que fazemos são ações nas ciclovias, explicando como transitar de maneira correta e, novamente, frisando a lei do bom senso.
JBemF – Recentemente, uma banca surgiu na Rua Jardim Botânico, causando alvoroço entre os moradores, atrapalhando a passagem. O que aconteceu?
BR: Essa banca ficava em uma esquina entre as ruas Siqueira Campos e Barata Ribeiro, em Copacabana, gerando um ponto cego na rua, causando sucessivos acidentes de trânsito, por isso foi retirada. O procedimento legal implica a escolha de três lugares e depois a gente define, a partir das opções, qual ele ocupará. Seguindo alguns critérios, restou somente aquele espaço do Jardim Botânico. O problema é que, querendo se afastar da outra banca de jornal que fica no quarteirão seguinte, o proprietário a colocou em uma passagem. Assim que soubemos disso, determinamos a retirada. Mas essa questão das bancas de jornal, em geral, me traz dor de cabeça. Eu acho um absurdo que, hoje em dia, elas sejam um grande outdoor para anunciantes. Algumas nem sequer vendem jornais e revistas.
JBemF – Além de seguir “apagando incêndios” pela cidade, quais são os planos da subprefeitura para o resto do seu mandato?
BR: Temos a intenção de tratar desses fios elétricos nos postes. Por questões logísticas e orçamentárias, não vai ser de uma hora para outra, mas é possível identificar não só qual fio está realmente em uso, mas a qual empresa ele pertence. É dessas empresas, como Light, Claro, Vivo e etc. que precisamos cobrar a retirada. Outro projeto que tenho, é de devolver a calçada aos moradores. Existem diversos lugares da Zona Sul que podem ser mais bem aproveitados, com boulevards e praças. Como Subprefeito, sonho em chegar para trabalhar e não me deparar com reclamações de moradores. Quero entregar essa parte da cidade tinindo para os cariocas e turistas. Para isso, vou continuar seguindo o modus operandi da nossa equipe: se existe um problema, a gente precisa resolver e ponto!
“Gosto do que Eduardo Galeano escreveu sobre a serventia da utopia: a utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.” – resume o Subprefeito.
0 comentários