12 de junho de 2025
5 PERGUNTAS PARA SÉRGIO BESSERMAN 
O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com seus 217 anos recém-completados, tem o DNA mais carioca do pedaço: é tudo junto e misturado, como a própria cidade que o abriga.“Em uma área de 540 mil metros quadrados, tem a árvore de Madagascar, ao lado de árvore da Costa Rica, ao lado de árvore do Paraná”. A definição vem do próprio presidente do Instituto, o economista Sérgio Besserman, que está prestes a completar dois anos no cargo nesta segunda gestão.  Na entrevista concedida para o JB em Folhas, em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente,  ele falou dos  desafios, ganhos e planos para o local. O principal disso tudo? Compreender que o Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico, que tem um dos parques mais lindos e únicos do mundo (definição também de Besserman, que já rodou por esses jardins todos), e uma missão de vida — ou morte — em tempos de catástrofe climática: preservar a biodiversidade botânica e popularizar a paixão por plantas. 
“Nós, da espécie humana, somos animais, e, por isso, bichos nos comovem. Plantas nem tanto. É o que chamam de cegueira botânica. Mas para ter bicho é preciso ter planta. Ao recuperarmos a flora, a fauna volta, e vem praticamente sozinha. Essa é uma das funções do Instituto”, diz. 
A segunda gestão de Sérgio Besserman no Instituto vai bem, obrigada. Nos últimos anos, o Museu do Jardim Botânico passou a ser usado para contar ao público toda a ciência que está por trás do maravilhoso passeio no arboreto. A Casa de Pacheco Leão foi reaberta e criou-se o Memorial das Mãos Negras, uma homenagem às pessoas escravizadas que contribuíram na construção e na manutenção do jardim durante o período imperial. Os africanos foram os primeiros botânicos do JBRJ e temos um orgulho imenso deste memorial”,  confessa.
A Casa Amarela, sede da Presidência IPJBRJ, onde Geisel montou seu governo.
Em sua visão macro do Jardim, o presidente reconhece que há muitos espaços dentro do arboreto que merecem destaque e  que o visitante não tem a menor ideia de que existem e que guardam muitas histórias. Como o  casarão amarelo onde fica a presidência do Instituto, onde  o ex-presidente da República Ernesto Geisel montou o seu governo.  Em uma entrevista com mais de duas horas de duração, Besserman conversou com a editora Chris Martins e falou sobre a crise climática e destacou três pontos fundamentais para ancorar a gestão dos próximos anos: a valorização do Jardim como um Instituto de pesquisa e inovação; a criação estratégica e conceitual de uma diretoria para o Centro Nacional de Conservação da Flora do Jardim Botânico, para integrar as espécies ameaçadas de extinção a todas as políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e as políticas públicas do Governo do Estado, da prefeitura e do setor privado para que essas espécies sejam consideradas em todos os trabalhos de restauração e conservação; e, por último, a questão fundiária ligada à experiência do visitante, que significa melhorar a conscientização do público sem interferir na experiência de maravilhamento do arboreto. 

JB em Folhas | Como o senhor vê a história e o futuro do Jardim?

‘Sérgio Besserman | São 217 anos! Mas que não estão ancorados no passado. Temos um futuro de muitas transformações e uma história de enormes conquistas. O Jardim Botânico é um instituto de pesquisa, ligado ao MMA, por uma decisão do Estado, já que pesquisa normalmente é vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. É como se fôssemos a Fiocruz, o principal instituto de pesquisas médicas do Ministério da Saúde. Aqui, a pesquisa é livre, é autônoma, mas não é análoga ao que ocorre num departamento de botânica de uma grande Universidade pública do Brasil. Estamos sempre de olho nas demandas e nas necessidades do MMA. E essa demanda cresceu muito devido à gravidade da crise da biodiversidade, que é o assunto mais importante da economia mundial. Então nosso primeiro passo foi alinhar a pesquisa – considerando que quanto mais refinada a demanda mais ela depende de conhecimento científico – à necessidade do ecossistema de negócios voltado à restauração, à conservação e às oportunidades. 

JBemF |  Quais outros passos têm sido dados na gestão do JB pensando na crise climática e na salvação do Planeta Terra tal qual o conhecemos? 

SB | A partir de uma primeira reunião com a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aqui nesta sala, decidimos criar uma estrutura de diretoria para o Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora). Esprememos daqui e dali, vários funcionários abriram mão de cargos para tornar isso viável. Não é um ato administrativo, é um ato conceito, estratégico, para integrar a salvação e a preservação, além de eliminar a ameaça das espécies com risco de extinção. Isso só vai ocorrer se, além de elaborarmos as listas e os planos para cada espécie, tivermos um grande engajamento entre governo, ministério, os jardins botânicos não federais, os hortos municipais, os estaduais, as unidades de conservação, o ICMBio e o setor privado tratando as mudas dessas plantas como questão central. Plantar uma muda ajuda a salvar uma espécie e de quebra contribui para a arborização urbana. E cria um sentimento que dá força política para a conservação, para a restauração e para o licenciamento ambiental. No CNCFlora, trabalhamos as espécies ameaçadas de extinção como parte integrante de todas as políticas públicas da área. Não basta reintroduzir fauna ameaçada se não houver planta para esse bicho comer. Imagina todas as unidades de conservação tendo esse tipo de preocupação… A gente está dando um passo importante.. Esse é o conjunto do nosso trabalho, em que temos a técnica, a ciência, os livros vermelhos das espécies ameaçadas, mas também a construção dessa rede público-privada para o enriquecimento da biodiversidade na restauração, com um foco nestas espécies. 

JBemF | Como o Jardim Botânico do Rio de Janeiro entra nesse trabalho?

SB | Temos um um uma maravilha única no mundo. Esse jardim é um dos mais bonitos do mundo, e ele é diferente, né? De um modo geral, os jardins botânicos do mundo são representações paisagísticas de biomas, quase todos localizados no hemisfério norte, então com muita estufa. Aqui não surgiu como Jardim Botânico. Surgiu como Jardim de Aclimatação porque Dom João VI já estava de olho no agrobusiness. Ele queria saber  o que tinha em Moçambique que poderia gerar negócio aqui, foi assim que surgiu  o primeiro pé de chá, que está até hoje aqui, por sinal. Então, a ciência trabalha e vai organizando por família, de plantas e gênero. Você anda por aqui, e vê uma árvore de Madagáscar, ao lado de uma árvore da Costa Rica, ao lado de uma árvore do Paraná, porque é tudo da mesma família. Em nenhum outro lugar do mundo isso pode ser visto. Ou seja, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro é federal, mas ele é carioca na veia, porque é tudo junto e misturado, mas com critérios científicos. O problema que temos aqui não é do Jardim, mas do mundo. O dinheiro do orçamento é 100% destinado a manter o arboreto, essa pérola, um verdadeiro museu verde.  A Sumaúma é nossa Vênus de Milo; a aleia do Pau-Mulato é uma galeria de impressionistas do Museum of Modern Art de Nova York (MoMA). Mas em  um  momento tão crucial para a história da humanidade, com a crise de biodiversidade e  climática, a experiência do visitante ocorre no arboreto do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e ele sai sem qualquer informação sobre a gravidade do que estamos vivendo. Fica só com o maravilhamento. Somos uma estrutura de pesquisa, somos um museu, temos um compromisso com a realidade concreta também.

Besserman, a aleia do pau-mulato equivale à uma galeria de impressionistas do MoMA (Foto: acervo JBemF)

JBemF | O que o senhor enxerga como solução para trazer essa consciência ao visitante?

SB | Não podemos atrapalhar o maravilhamento, porque, inclusive, isso jogaria contra o objetivo de vencer a crise e restaurar a natureza do país. Mas talvez conscientizar. Mas essa conscientização é algo muito sofisticado. Não pode, por exemplo, ter muitas placas nas espécies ameaçadas. E hoje o mundo é dos QRCodes. Estamos pensando em uma solução com uma sofisticação estética e tecnológica, que destaque a espécie ameaçada de extinção. O visitante poderá saber só o nome e o lugar dela ou que essa espécie está em extinção e que era usada para isso e aquilo. E assim a informação pode interessar tanto pelo lado científico ou pela curiosidade de saber, por exemplo, que a andiroba, é matéria-prima para a cachaça e está num samba do Nelson Cavaquinho.  Nós somos animais, então a fauna nos comove de imediato. A flora não. E isso se chama cegueira botânica. Mas para recuperar a fauna, é preciso da flora. Se tiver a flora, a fauna vem sozinha.

JBemF | E qual o terceiro ponto estratégico da gestão para se chegar aos objetivos de salvação da flora? 

SB | Nós precisamos resolver sobre a visitação, chamar atenção para as espécies ameaçadas, para a crise de biodiversidade, sem atrapalhar o maravilhamento do arboreto. Saiu há pouco tempo um documento muito importante do Kew Gardens, dirigidos a todos os jardins botânicos da Europa e do mundo, falando que a maior missão dos jardins botânicos neste momento da história é a preservação ex situ, ou seja, fora do lugar das espécies ameaçadas de extinção. A  crise é muito grave e nos últimos cinco anos abriu-se uma janela para ver o mundo do futuro: o oceano fervendo, incêndios no Brasil, Portugal, Estados Unidos, China, Paquistão, Rússia, inundações. A plantinha não aguenta um grau e meio a mais, mesmo sendo endêmica. Por isso estamos criando esse viveiro de mudas. Precisamos do jardineiro olhando a plantinha todo dia. Onde aparece um probleminha, ele avisa ao cientista especializado naquela família de planta para ele agir.  A questão fundiária do Jardim Botânico é outro ponto. Começamos ajustando o espaço do Serpro, que agora está sendo alugado pelo IBGE, em parceria com o Instituto.  E estamos avançando na conversa com os moradores que residem dentro do terreno da União e buscando uma solução que atenda os dois lados. 

A Ministra do Meio Ambiente e o Presidente do IPJBRJ  e convidados na inauguração do Memorial Mãos Negras (Foto: Divulgação

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