O mês de março chega ao fim sem que a região tenha sofrido com a passagem de suas temidas águas, que ganharam fama internacional nas vozes de Tom Jobim e Elis Regina. A música tem um significado especial para os moradores do Rio de Janeiro, em especial aqueles que vivem no entorno da bacia hidrográfica da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde fortes chuvas costumam se transformar em pesadelo. O risco de enchentes e seus decorrentes prejuízos, porém, não se restringem ao final do verão. Nos últimos anos, a região, em especial o Jardim Botânico, sofreu bastante com os temporais de abril de 2019 e outubro de 2020, por exemplo.
A preocupação não é de hoje. Há mais de 100 anos, já eram comuns os problemas gerados por alagamentos e tentativas de saneamento sem sucesso da bacia hidrográfica da Lagoa Rodrigo de Freitas, que drena uma área de 23,5 km², abrangendo os bairros do Alto da Boa Vista, Gávea, Humaitá, Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa e Leblon. Dela fazem parte os rios Cabeça, Rainha e dos Macacos, e seus afluentes Algodão, Caixa D’Água, Cachoeira, Andaraí e Lagoinha. Tais cursos d’água podem ser avistados por toda a região, tanto na natureza, formando cachoeiras; quanto canalizados, cortando ruas como a Lineu de Paula Machado e Batista da Costa. Sem falar que a umidade subterrânea por vezes acaba aflorando em imóveis da região, como aconteceu na década de 1960 no número 674 da rua Jardim Botânico, quando ainda funcionava ali o cinema Jussara, conforme lembrou Alfredo Canalini, em entrevista ao JB em Folhas em fevereiro deste ano.
Tudo isso chega ao canal da rua General Garzon, que, além de pequeno, funciona com um sistema de comporta, que regula, manualmente, o nível de água e seu fluxo de escoamento. O sistema – que ninguém sabe ao certo como e por quem é controlado – mostrou-se especialmente ineficaz em abril de 2019, quando a comporta não foi aberta a tempo. As águas da chuva inundaram ruas e imóveis vizinhos ao canal, provocando o primeiro alagamento total da Vila Hípica, no Jockey Club.
A comporta na General Garzon e o canal que corta a Vila Hípica, no Jockey Club (Fofot: Chris Martins)
Em busca de solução para o problema, o prefeito Marcelo Crivella desistiu da ideia de elevar o nível da rua Jardim Botânico e anunciou a construção de uma galeria subterrânea para recolher as águas da chuva. A obra deveria durar quatro meses, mas se estendeu ao longo do ano de 2020. Em julho do ano passado, representantes da AMAJB reuniram-se com a Gerência Executiva Lagoa (GEL) e a Secretaria de Governo e Integridade – ambos órgãos da Prefeitura do Rio – para discutir, entre outros assuntos, questões ligadas à automação da comporta do canal da rua General Garzon. Até agora, final de março de 2022, nenhuma ação concreta nesse sentido foi divulgada.
– O assunto é muito importante. Acabou não seguindo, em detrimento de outros temas mais urgentes, mas ainda está na pauta – informou Isabel Werneck, gerente de operações da GEL.
Em novembro de 2021, a concessionária Águas do Rio – que sucedeu a Cedae nos serviços de fornecimento de água e tratamento de esgoto na região – fez uma série de melhorias no sistema de esgoto na região da Lagoa. Foram realizadas obras de revitalização e modernização das estações elevatórias, que bombeiam esgoto para o sistema de coleta e evitando o deságue de material sem tratamento. A empresa efetuou também a troca de 30 metros de tubulação que leva esgoto para a Estação Elevatória Hípica, no Jardim Botânico, substituindo os canos antigos, que estavam deteriorados e com pontos de vazamento, além de automatizar as estações localizadas próximas ao Parque dos Patins, permitindo acompanhar a operação em tempo real pelo Centro de Operações Integradas (COI). Tais estações recebem o esgoto dos quiosques da Lagoa e do heliponto, direcionando-os para a Elevatória Saturnino de Brito.
As primeiras tentativas para resolver as questões de alagamentos e saneamento da Lagoa Rodrigo de Freitas datam de 1919. O prefeito Paulo de Frontin optou pela salinização da Lagoa como forma rápida de promover o saneamento do local sem aterrá-la completamente, outra proposta daquela época. No ano seguinte, uma enchente do rio dos Macacos quase destruiu o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, levando o novo prefeito, Carlos Sampaio, a buscar uma solução para o problema. Durante seu mandato, entre 1920 e 1922, os engenheiros Saturnino de Brito e Alfredo Duarte – que acabaram virando nome de ruas no JB – canalizaram e regularizaram todos os rios e águas pluviais da região até a Lagoa Rodrigo de Freitas. Entretanto, o projeto manteve a já existente estreita saída para o mar e criou, com o auxílio de uma draga, as ilhas onde hoje estão instalados os clubes Piraquê e Caiçaras.
Imagens do livro “A Fazenda Nacional”, de Carlos Eduardo Barata e Claudia Braga Gaspar, ilustram as obras de canalização dos rios, saneamento e aterros da Lagoa Rodrigo de Freitas
A construção do Jockey Club também se deu em área aterrada da Lagoa nos anos 1920 (vide mapa acima). A prática era comum até o início da década de 1970, quando houve um boom imobiliário na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas. Por cerca de 20 anos, os moradores protestaram pedindo o tombamento da Lagoa e de sua orla, o que foi acolhido pelo município em 1989 e somente em 2000 pela União.
muito boa matéria. atual e com conteúdo histórico. Lagoa área rica de mudanças urbanas e sociais. Sou do JB!