Não é de hoje que o comércio de rua tem seu lugar garantido no coração – e no bolso – dos cariocas. Não há quem não estique o olho diante de uma banca de produtos ou uma lona estendida no chão. Assim como os ambulantes, os quiosques de serviços, como chaveiros e relojoeiros, aumentaram e podem ser encontrados em uma esquina perto de você. Nos bairros da Gávea e do Jardim Botânico, a variedade é grande, com camelôs de acessórios eletrônicos, esportivos e femininos, vassoureiro andarilho, serviços de chaveiro, venda de quentinhas, balas e muito mais.
Uma das figuras mais conhecidas – e queridas – do Jardim Botânico é Sônia Regina Lisboa, de 64 anos. Muitos moradores do bairro acompanham a garra da baleira, trabalhando de sol a sol para garantir educação de suas filhas. Há mais de 30 anos, seu carrinho de guloseimas circula pelo bairro. Inicialmente, ela ficava nas proximidades do banco Santander (antes Cultura Inglesa), passando, em seguida, para a porta da ABBR. Atualmente, ela começa o dia cedo, na entrada do Hospital da Lagoa, e depois leva seu carrinho até o portão do Parque Lage, onde a clientela aumenta significativamente nos finais de semana e feriados. As balas agora disputam espaço com salgados, atraindo turistas e garantindo rendimento extra: “Os itens mais vendidos são água e biscoito Globo. Eles adoram!”, atesta ela, que mesmo não falando inglês consegue se entender com os gringos.
Foi assim, aliás, que a baleira sustentou sua família: “Sou sozinha e criei minhas filhas aqui, junto comigo, e com o apoio de muitos moradores”, conta Sônia, que vive na Rocinha. As filhas Jéssica da Silva, de 31 anos, e Tamaris de Oliveira, de 26, estudaram nos colégios públicos da região. A primeira se formou em História na Uerj e, agora, dedica-se ao mestrado; enquanto a segunda é técnica de enfermagem.
– Gosto das pessoas que vivem aqui. Muitas me conhecem e me ajudam como podem. Às vezes, só uma atenção, um “como está passando?”, já faz a diferença – garante.
Na frente da ABBR, duas barraquinhas já fazem parte da paisagem. A mais antiga é a do empreendedor individual Almir Araújo, que há 28 anos vende doces caseiros preparados na Vila da Penha, onde mora. Os mais procurados são o cuscuz e o bolo de aipim com coco. Além desses itens, ele vende também cocada, bolo de milho, sacolé, sucos e refrigerantes.
– O comércio de rua diminuiu muito, a rua esvaziou. O que cresceu mesmo por aqui foram os pedintes – observa o comerciante.
Há quatro anos, Almir tem uma nova companhia a seu lado: Vera Lúcia Nunes, viúva de Valter Lopes Pereira, que bateu ponto no local por cerca de 15 anos. A nova comerciante já imprimiu seu estilo pessoal, acrescentando bijuterias e outros acessórios femininos. “As bandeiras de times de futebol ficaram muito caras. Para não perder esse público, mantive os bonés e passei a vender chaveiros dos clubes”, explica Vera, que vê o comércio mais cauteloso, depois do período parado pela pandemia.
Desde 2018, com o aumento de prédios comerciais na região, cresceu também a oferta de quentinhas. As primeiras bancas surgiram na Pacheco Leão, perto da TV Globo, onde a oferta hoje é tão variada que dá até para fazer pesquisa de preço e de cardápio. Outro ponto disputado é a esquina das ruas Maria Angélica e Jardim Botânico, na qual há, pelo menos, duas bancas diariamente: a mais antiga é a de Sandra Maria Fernandes, que praticamente não parou de trabalhar durante a pandemia. Devido à alta de preços dos alimentos, ela precisou reajustar o valor, mas o mínimo possível para não perder os clientes, que também estão com o dinheiro curto. Atualmente, suas quentinhas saem por R$ 14 com refresco; exceto a feijoada, às sextas-feiras, que custa R$ 16 ou R$ 17, acompanhada de guaraná natural.
Do lado oposto, em frente ao antigo Ambulatório Praia do Pinto, Tamires Souza instala, de segunda a sexta, sua banca de quentinhas, que custam R$ 14 todos os dias, com direito a refresco. Dobrando a esquina, o chaveiro Rogério Germano tem seu quiosque há 40 anos, na calçada oposta ao Bar Rebouças. Ele trabalha com todos os tipos de chave, atendendo no local ou em domicílio, sendo as de carro muito procuradas.
A concorrência neste segmento é grande, com quiosques de chaves em diversos lugares da região. Ubercy Freixo Barreto tem 74 anos e há 50 trabalha como chaveiro e relojoeiro na Gávea. Ele começou com uma loja, no local em que hoje funciona o Talho Capixaba. Em 2008, Bigode, como é conhecido na área, abriu seu próprio quiosque, onde faz chaves e conserta relógios e fechaduras, prestando serviço também a domicílio.
Na sua frente, fica o ambulante paraibano José Belarmino da Silva, o Bill, de 56 anos, que há 28 anos atua na área. Começou vendendo capa de controle remoto de TV. Agora, seus itens mais vendidos são carregadores, capas e películas para celular, mas tem também fios para fones de ouvido, cadarços, kits de costura e guarda-chuvas: “O comércio ficou muito fraco depois da pandemia, o que salva são os clientes antigos”, admite.
Mesmo aqueles vendedores que apenas passam pelas ruas acabam conquistando os moradores. O cadeirante Antonio Aleixo, que vende vassouras e cestos de palha, é um deles. Ele veio de Maringá (PR) e circula por toda cidade. Na Gávea, ele costuma marcar ponto na esquina da rua Desembargador Carlos Taylor. Em março deste ano, alguns clientes aderiram a uma campanha promovida por ele para trocar sua velha cadeira de rodas por uma moto adaptada para ele continuar trabalhando.
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