6 de outubro de 2022
INQUIETUDE É A MARCA DE KAREN ACIOLY

Karen Acioly é multiartista: autora, roteirista, dramaturga, diretora, curadora, professora e teatróloga brasileira. O que dá liga a isso tudo é o público. No caso dela, o infantil. Comemorando 40 anos de carreira, Karen é uma realizadora incansável, mas só agora, aprofundando seus estudos, se deu conta de tudo que fez e continua fazendo. Além do mestrado e doutorado em curso, sua mais nova produção é a 19ª edição do Festival Intercâmbio de Linguagens, que começa nesta sexta-feira, dia 7 de outubro, em formato híbrido, presencial e remoto. Entre as atrações do FIL está a ópera-instalação “Bem no Meio”, idealizada por Karen e com música do compositor francês Camille Rocailleux.

– A apresentação é como se fosse cinema, com muitas telas diferentes e redondas. Cada um escolhe para qual delas olhar, numa tentativa de simular a maneira das crianças enxergarem o mundo – explica ela, sobre a experiência sinestésica que possibilita que cada um tenha sua própria interpretação da história.

A ópera-instalação foi criada na pandemia, período em que concluiu seu mestrado em Educação (UFF) e iniciou os estudos de mestrado em Mídias Criativas (UFRJ) e doutorado em Educação (UFF). O tempo é curto para tanta atividade, mas o importante para ela é seguir fazendo aquilo em que sempre acreditou: “educar o ser sensível, sabendo que ele educa a gente também”.

Com tanta coisa na cabeça, a natureza salva. Moradora da Fonte da Saudade há 22 anos, Karen é louca pelo lugar e desenvolveu um amor enorme pelos passarinhos, a ponto de considerá-los “seus bichos de estimação”: “Uma das coisas que me prende aqui são os passarinhos. Tem uma família de saíras-sete-cores que vem sempre nos visitar. Certo dia, um deles ficou preso na janela e o vidro acabou o salvando de um gavião feroz, lindo, com penugem branca, rajados pretos e aquele olhão amarelo. Tem também meu amigo tucano, o Tuiuca, que ouve ópera e vem comer mamão e banana”, conta ela com riqueza de detalhes.

Se tem algo positivo que a pandemia fez por ela foi colocá-la para andar: “A gente percebe que as distâncias são menores do que imaginávamos”. Dos passeios que costuma fazer, o bicentenário Jardim Botânico do Rio de Janeiro também tem poder de acalmá-la. Ela garante que só de andar e olhar para as orquídeas e árvores gigantes vai ficando mais leve e tranquila: “Tudo é tão maior e melhor do que todo o resto…”, observa Karen, que costuma circular de bicicleta ou a pé por toda parte, entre a Gávea e Botafogo, seja a passeio ou para resolver alguma questão doméstica ou profissional:

– Aqui no “puxadinho” do JB – como chama a Fonte da Saudade – os preços são exorbitantes e falta muita coisa, de um centro médico público a papelaria e farmácia. Meu sonho de consumo é que em toda farmácia funcionasse também um centro cultural pequenininho – idealiza a artista, que foi diretora do Teatro do Jockey por 14 anos (de 2001 a 2014), mas não conhece o Teatro da Pequena Cruzada, pertinho de sua casa.

Karen em cena na década de 1980 (Fotos: acervo pessoal).

Há tempos, Karen fala que é preciso se apropriar mais dos espaços públicos – incluindo parques, jardins e praças –, beneficiando crianças e idosos e não só cachorros, que, na sua opinião, tem sido muito comum atualmente: “Gostaria de tornar a cidade mais lúdica, as pessoas ficam melhores perto da ludicidade”, acredita Karen, que faz parte de um grupo que planeja pintar sua rua para a Copa do Mundo.

Para ela, as pequenas ações são muito importantes e funcionam como um primeiro passo para ocupar a cidade. Karen valoriza as relações que faz na rua, com os vizinhos, com o jornaleiro, e, às vezes, vai à Obra do Berço ler histórias para crianças e doa material do FIL para lá, além de comprar muita coisa no “Brechique”, como apelidou o bazar da instituição, para sua netinha. Ainda assim, sente falta de mais interação. Ela admite que não participa muito das reuniões da AmaFonte, cujo principal foco é a segurança na vizinhança. Karen reconhece que o tema é um problema. Seu filho já foi assaltado caminhando à tarde pela Epitácio Pessoa, na altura da curva do Calombo, e ela, agora, vai sempre para o lado do Jardim Botânico, com direito a água de coco no Baixo Bebê do Albany: “Antigamente, tinha também o Coco do Irineu, ali no Botafogo. As crianças brincavam de colocar o acento no ‘o’ errado, mas a barraca acabou quando ele morreu”, recorda-se.

No entendimento de quem até o primeiro semestre deste ano estava em sala de aula na Sá Pereira (Ensino Fundamental I e II), no ORT (Ensino Médio) e na pós-graduação da Cândido Mendes, traquinagens e brincadeiras fazem parte do desenvolvimento das crianças. É isso que norteia o Festival Intercâmbio de Linguagens:

– No celular, as crianças param de ser autoras da vida delas para olhar a vida alheia, quando a vida está nelas. A ideia do FIL é mostrar que cada um pode ser seu próprio livro, sua escrita, sua obra de arte – atesta a curadora e produtora do festival consagrado por promover experiências sensoriais, táteis sonoras, visuais, interativas e até aquelas que nem têm nome ainda.

*Saiba mais sobre o Festival Intercâmbio de Linguagens na coluna Folhas.

*Por Betina Dowsley

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