Chris Martins
Carlos de Barros Lisboa. Mas pode chamar de Carlinhos. O Carlinhos do Último Gole, da festa junina. Há quem diga que ele é o Chico Buarque do JB, por conta dos olhos de cor de ardósia, como o célebre compositor. Quem o vê animado nos eventos culturais do bairro, pode pensa que ele vive para a música, mas sua profissão de fé é a psicanálise. De segunda a sexta, ele é visto com a roupa de trabalho, andando rápido para cumprir seus atendimentos no consultório que tem perto de casa. Mas fora do expediente, o Clark Kent do samba troca a camisa social pelo banjo e o cavaquinho, para uma boa roda de samba com amigos. Ele também é um dos criadores do famoso Bloco Último Gole, que se apresenta na terça-feira de carnaval, dia 21/2, agora em novo local, a praça Santos Dumont, na Gávea.
Carlinhos tem uma relação de amor com o Jardim Botânico, bairro onde nasceu e sempre viveu. “O meu lugar é aqui. São 52 anos de JB”, brinca o morador, lembrando da famosa música de Arlindo Cruz sobre Madureira. Ele residiu, quando pequeno, com os pais, na rua Engenheiro Pena Chaves de onde saiu aos 22 anos, para dividir um apartamento, junto com o irmão Luciano Lisboa, na Oliveira Rocha. Foi neste imóvel que os encontros musicais deram origem ao Último Gole. Foi ali também que começou sua vida com a mulher Joana Milliet – com quem completa 20 anos de casamento agora em 2023 – e onde nasceram seus filhos Vicente, 17 anos, e Olívia, 15. E quando a família aumentou e o apartamento ficou pequeno, a procura por um novo imóvel tinha uma única exigência: ser perto da praça.
– Eu vivi a praça de várias formas, mas especialmente com as crianças. A gente não abria mão disso, para que eles tivessem um lugar para brincar na rua e fazer amizades. Demos sorte e conseguimos um apartamento maior em frente ao nosso antigo prédio. E foi bom para eles ter a praça como base” – conta Carlinhos.
Carlinhos com a mãe, ainda pequeno
Entre as lembranças na praça estão aniversários das crianças, peladas jogadas entre pais e filhos, as festas do Chutebol e os primeiros passos dos filhos. O cuidado com a região desenvolveu mais o senso de cidadania de Carlinhos, fazendo com que ele se envolvesse em questões do bairro, como o abaixo assinado que proibiu uma festa junina na Pio XI que costumava acabar às 5h da manhã com funk, para desespero dos vizinhos. E, por conta disso, há 12 anos ele acabou se envolvendo na criação da sua própria festa, que virou uma virou referência no bairro. E na hora de montar o “Arraiá da Pracinha”, ele participa de todos os detalhes, desde a contratação do trio deforró até a decoração da praça no dia e a dança da quadrilha, com Joana. “É uma festa feita por moradores e para os moradores, que vira um grande encontro de amigos”, afirma ele.
Com a filha Olívia no Bloco do Humaitá
A paixão pelo bairro passou de pai para filhos. Carlinhos lembra de uma conversa com Vicente, em que o jovem disse, com muita naturalidade: “O Jardim Botânico é o melhor lugar para morar, não é? Não tem comparação”. Olívia também tem o mesmo apreço e quando os pais aventaram a possibilidade de se mudar para o Horto, ela foi a primeira a dizer que não sairia dali por nada.
E a Pio XI também é lugar de lembranças de outra cria de LIsboa, o Último Gole, bloco formado por uma grande confraria de amigos que frequentaram o Colégio Andrews no ensino médio, e seguiram juntos pela vida. “Estudamos juntos, morávamos na mesma região e fomos formando nossas famílias na mesma época também. E dá muito orgulho hoje ver nossos filhos sendo amigos, unidos, como somos até hoje”, afirma Carlinhos, emocionado. Tudo começou quando o psicanalista comprou um cavaquinho e outro amigo, o Doica, que tocava surdo, resolveu acompanhar. O restante do grupo se juntou, formando uma roda de samba que acontecia toda semana na Gávea. Quando o parceiro musical teve que se ausentar para fazer uma graduação nos Estados Unidos, Carlinhos compôs “O samba do último gole“. O nome acabou pegando e a turma que já gostava de uma folia decidiu fazer uma despedida para Doica no carnaval de 1999, seguindo o Suvaco do Cristo, que na época, costumava sair na parte da tarde do domingo anterior ao carnaval.
Um dos primeiros encontros do Último Gole
– Fizemos um rateio para as camisetas e saímos com uma caçamba da Comlurb cheia de cerveja e gelo, seguindo Suvaco do Cristo. No ano seguinte, fizemos a mesma coisa, mas fazendo uma concentração antes, no meu prédio. E em 2001, ano em que o Monobloco estreou no carnaval, decidimos fazer a roda na Praça Santos Dumont. E agora vamos retornar à Gávea, – comenta Carlinhos, achando graça da coincidência.
Mas a primeira vez na Pio XI, ele não esquece. Foi no carnaval de 2002 que eles abriram a roda para o público, que se resumia ao mesmo esquema de reunir uns amigos com um cooler de cerveja e boas músicas. O boca a boca correu e, no ano seguinte, os 30 viraram 100, depois 200 e….bombou. Assim, em 2012, o Último Gole se despediu da pracinha, rumo à um novo ciclo, agora no Parque dos Patins. “Todo ano eu falava que era o último, porque o meu maior medo era que a vizinhança mandasse a gente sair, mas não foi o que aconteceu, pois sempre tivemos, como moradores, este cuidado de preservar a praça e o público do entorno. E saímos para um lugar com mais espaço.”, explica.
E hoje, mais de 20 anos depois, o UG, como é conhecido, é seguido por milhares de pessoas, conta com apresentações no Copacabana Palace e no rooftop do hotel Fasano, entre outros, além de estar sempre sendo requisitado para eventos ao longo do ano e até em outras cidades. Mas o que o grupo gosta mesmo é da roda de samba entre amigos, que vez ou outra volta à Pio XI – como foi no aniversário de 10 anos do JB em Folhas – e em edições ocasionais no Mercado Afonso Celso, como as que aconteceram ao longo de 2022, fechando com a Copa do Mundo, durante os jogos da seleção brasileira.
Quem vê Carlinhos tocando no Último Gole pode achar que a música tem um destaque importante na sua vida, mas está enganado. Para ele, é apenas um hobby, um lazer com prazer, jamais o ganha pão. Neste quesito, a psicanalise ocupa lugar de destaque em sua vida. “É um investimento e algo muito sério pra mim. E tão bem resolvido que me permite dar este espaço para a música sem problemas” – afirma.
No dia a dia de Carlinhos, nem tudo se resume à Praça Pio XI. Ele curte o JB como um todo, desde a prosa com vizinhos e amigos no Mercadinho Afonso Celso à passeios pela região com a família. No roteiro estão o Horto, especialmente o Jojô Bistrô; a feira livre de domingo, os restaurantes próximos, sem falar do Bar Jóia que, como ele diz “é uma extensão de casa”. Sem fala no carnaval, com desfile do Suvaco e de outros blocos, quando não está viajando. Para ele, o trânsito da rua Jardim Botânico é um problema crônico que o metrô da Gávea – que nunca foi finalizado -, ajudaria bastante a melhorar. Carlinhos destaca a presença da livraria Janela. “Foi um capítulo muito importante para o Jardim Botânico. Desde que a Ponte de Tábuas fechou, faltava um lugar tranquilo para ler um livro e tomar um café. E a ideia dos post its presos nos livros com um breve resumo é muito boa”, diz.
Mas, para o dublê de sambista, o melhor da região é não ter muitas lojas e nem shopping. “No bairro você tem inúmeros serviços, no tamanho certo para resolver sua vida, sem ter uma grande circulação de gente que não é daqui. São quase sempre as mesmas pessoas”, reflete ele no exato momento em que alguém passa pela escadaria Marielle Franco – onde está sendo feita a entrevista – e o cumprimenta. “Essa gentileza, este bom dia diz tudo. Aqui é o meu lugar”, finaliza.
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