15 de março de 2024
FEMINISTAS NA LUTA…. COM OU SEM BATOM

O ano era 1985, o Brasil estava saindo de um longo período de repressão, por conta da ditadura, e começava um período democrático, se movimentando para a formação da  Assembléia Nacional Constituinte. Um grupo de mulheres ativistas e feministas concluiu que era o momento certo de se mobilizarem. E assim começou a mais bem sucedida luta coletiva que mudou a condição da mulher no Brasil.  Com sarcasmo, os políticos passaram a chamar o movimento de “lobby do batom”, mas o que era deboche se transformou em grito de guerra e replicou no país inteiro durante a campanha para criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.

Curiosamente, apesar da sua importância, este período ficou à deriva, sem registro histórico até 2021, quando três mulheres, profissionais do audiovisual e moradoras do Jardim Botânico, decidiram que era hora de perpetuar o movimento.  E assim surgiu “Lobby do batom”, documentário dirigido por Gabriela Gastal, com roteiro de Christiana Albuquerque e produção de Renata Fraga, uma realização do canal GNT, que está disponível no Globoplay. 

O Lobby do Batom reuniu mulheres de todo o pais para discutir seus direitos (foto: internet)

Rodado em dezembro de 2021 no Rio de Janeiro, o documentário reúne depoimentos atuais de mulheres que estavam na linha de frente do movimento, há quase três décadas,, pontuados por imagens antológicas de arquivo. O resultado final é a reconstituição da trajetória e dos bastidores do movimento suprapartidário que, embora seja pouco conhecido pelos brasileiros, foi fundamental para a concepção e a aprovação de uma constituição mais democrática e inclusiva para as mulheres brasileiras em 1988.

Amigas da vida, as três produtoras nunca tinham trabalhado juntas e não conheciam a história, até que Christiana apresentou e a reação foi unânime: era preciso registrar o movimento daquelas guerreiras que resultou na criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. “O que mais nos impressionou é que, passado quase 30 anos, ninguém conhecia aquela história”,  lembra a roteirista.  Mais mística, Gabriela acredita que “outras forças” conspiraram a favor. 

– A gente brinca que abriu um portal e tudo fluiu, porque a situação era bem difícil. Estávamos em plena pandemia, durante o governo Bolsonaro, em um momento complicado para o audiovisual, em que estávamos procurando trabalho e pegar um projeto autoral desse não caberia. Mas deu tudo certo, inclusive o GNT que topou patrocinar em tempo recorde. 

O passo seguinte foi conversar com as feministas Jacqueline Pitanguy, Leila Linhares Barsted e Schuma Schumaher, que participaram do movimento. “A gente teve uma aula de feminismo e cada encontro nos arrepiava ainda mais e nos mostrava o quanto estávamos certas de seguir nossa intuição”,  afirma Renata.  Além das três feministas, participaram do filme Anna Maria Rattes, Benedita da Silva, Comba Marques Porto, Hildete Pereira de Melo e Marina Colasanti. “Com estas oito mulheres, conseguimos ter uma diversidade do que representava o movimento”, completa Gabriela.

Christiana, Renata, Marina Colasanti e Gabriela no set de filmagem (foto: acervo pessoal)

Na opinião das produtoras, essas representantes conduziram uma estratégia perfeita, pois conseguiram envolver toda a sociedade civil. “Elas sabiam que não teriam chance durante a ditadura, mas quando o país começou o processo de redemocratização, viram que era o momento de ocupar espaço. Estavam juntas pelos direitos da mulher e não pelos partidos”,  afirma Christiana.  

O documentário mostra um pouco desta estratégia, especialmente durante a elaboração das propostas para a Constituinte. O resultado foi transformador; elas conquistaram a aprovação de 85% dos pleitos da célebre “Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes”, entregue  em mãos ao então deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Na ocasião, ele leu o documento e levou os parlamentares e o público presente ao delírio ao repetir publicamente, em pleno Congresso Nacional, o gesto com as duas mãos que representa a genitália feminina. Nas eleições de 1986, a representação feminina no Congresso Nacional foi mais que triplicada, passando de oito deputadas federais para 26 deputadas constituintes, num total de 559 parlamentares eleitos.

As três reproduzindo o símbolo do “Lobby do batom” (Foto: Chris Martins)

Entre os momentos mais marcantes do filme, a diretora elege o trecho em que Benedita conta quando encontrou com Márcia Kubitschek e falou que a mãe lavou a roupa do pai dela, Juscelino. “Só de lembrar eu já me emociono. É muito forte”, confessa. Já a roteirista destaca a história da produção da Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes. “É de um simbolismo e cheio de detalhes, a caligrafia da Hildete, os nomes comuns. Podia ser qualquer uma de nós. E só quem é mulher sabe o que é viver neste país machista”, declara. Para Renata, a cena que mais a impactou aconteceu no set de filmagem.  Com uma equipe misturada, ela viu muitos homens deixarem a lágrima cair durante a gravação dos depoimentos”Foi um momento muito especial”. – revela a produtora.

Christiana sente que o filme promoveu uma reconexão entre estas mulheres, que ainda estão na ativa e lamentam que ainda seja necessário ir à luta por alguns direitos de 30 anos atrás, como o aborto. Para Schuma Schumaher, que atualmente é coordenadora executiva da Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh), o documentário “Lobby do Batom” tem um papel fundamental no sentido de recuperar um momento importante da luta da mulher no Brasil. “Este trabalho envolveu a sociedade e foi executado por um coletivo feminino, não foi feito por meia dúzia de cabeças pensantes de Brasília. O filme mostra um exemplo de união coletiva”, afirma a feminista que acha está muito mais difícil nos dias de hoje levantar bandeiras em torno de uma causa.  

Schuma (segunda à esquerda) em uma das (muitas) reuniões do Lobby do Batom (Foto: internet)

– A sociedade deu uma guinada para o conservadorismo e falta aplausos para a democracia. Há 30 anos, estávamos justamente voltando a respirar carregadas de esperança e ávidas por construir um país melhor para muito mais gente, não para meia dúzia. A gente só promove a transformação quando podemos unir pessoas de todos os territórios, inclusive as que mais precisam de políticas públicas. –  afirma. 

Satisfeitas com o resultado final, Gabriela, Christiana e Renata têm como prioridade agora divulgar o documentário para o maior número de pessoas, promovendo exibições e encontros. O próximo será no dia 25 de março, às 16h, na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Esta é a nossa parte”, garantem as três que, depois da experiência de conhecer tão de perto a história do Lobby do Batom e as mulheres que fizeram este movimento, assumiram suas porções de ativistas e feministas.  “Eu me transformei numa feminista e não vou parar mais”, afirma Renata, seguida por Gabriela, que finaliza:  “Isso vale para todas!”

30 ANOS DEPOIS…A LUTA CONTINUA DESPROPORCIONAL

O Lobby do Batom aconteceu em 1985, quando vivíamos em uma sociedade pautada pelo Código Civil de 1916, em que a mulher não podia, sem autorização do marido, exercer uma profissão e administrar seus próprios bens.  A Constituição de 1988 resolveu algumas injustiças, mas, de lá para cá, as conquistas ainda são pequenas.  Veja os números:

Dados: site G1

LOBBY DO BATOM  – Disponível no Globoplay para assinantes

EXIBIÇÃO: DIA 25/3 – 16H – OAB – AV. MARECHAL CÂMARA 150

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