Em plena pandemia, a produtora de audiovisual e moradora do Jardim Botânico Clélia Bessa está comemorando dez anos de sua nova vida. A festa é pela cura de um câncer de mama. Um não, três: “Santa Maria, Pinta e Nina”, como ela gostava de chamar, ironicamente, os três tumores dos quais se livrou completamente em 2010.
Este episódio da vida de Clélia foi narrado em primeira pessoa com o humor e a acidez que lhe são peculiares no blog “Estou com câncer, e daí?”. Escrever sobre seus sentimentos e experiências foi sua maneira de dividir angústias, medos, dúvidas, mas também cada vitória. Contudo, ao relatar suas impressões, ela descobriu uma história comum a milhares de brasileiras – atualmente, cerca de 60 mil mulheres no Brasil são diagnosticadas com câncer de mama. Histórias comuns, que por muito tempo estiveram à sombra. Transformar o blog em livro sempre esteve em seus planos, mas, antes, ela precisava de um tempo para viver outros desafios profissionais. A quarentena acabou se encarregando de trazer o projeto de volta.
– O livro do blog tá pronto, mas o projeto cresceu e vai virar um longa também, com título provisório de “Câncer com ascendente em Peixes”. Com roteiro de Suzana Pires e Martha Mendonça, a ideia é começar a filmar no final de 2021, com isso, o lançamento dos dois só deve acontecer em 2022 – adianta ela, que está desenvolvendo outros dois novos projetos: um documentário sobre violência sexual contra crianças, com Susanna Lira, e “Lotomania”, com José Lavigne.
A produtora observa que o setor do audiovisual foi muito atingido pelas atuais políticas públicas e, com a pandemia, quem não tinha uma reserva está se virando como pode. No caso dela, a consequência imediata foi o adiamento dos lançamentos de “Correndo atrás”, de Jefferson Dê, agora programado para novembro; e “Missão cupido”, de Rodrigo Bittencourt, que ficou para 2021. Outros lançamentos no ano que vem são “Pluft, o Fantasminha” (Rosane Svartman), o primeiro longa-metragem infantil filmado em 3D, e “A Dona da Banca”, série com seis episódios dirigida por Marton Olympio.
Atualmente, Clélia está em fase de finalização do longa “Álbum em família”, de Daniel Belmonte, seu ex-aluno de Produção Cinematográfica, na PUC-Rio. O roteiro é baseado na peça quase homônima de Nelson Rodrigues, “Álbum de família”, com as relações adaptadas para o período de isolamento social. Trata-se do primeiro longa-metragem filmado de forma remota, em plena pandemia, com Otávio Muller, George Sauma, e Valentina Herszage no elenco, além de participações especiais de Renata Sorrah, Lázaro Ramos e Tonico Pereira.
–Acredito que o filme tem potencial para um lançamento comercial, mas isso só será decidido quando estiver finalizado, lá para novembro/dezembro. Espero que até lá a gente tenha o distanciamento necessário para olhar para trás e avaliar com mais clareza tudo isso – explica Clélia, lembrando que o projeto é colaborativo, feito em parceria com atores e técnicos.
Ler todos os roteiros e projetos que recebe era uma das coisas que Clélia mais gostaria de ter feito nessa quarentena. A lista continua grande, e ela se deu conta de que o tempo não passa de uma ilusão, pois em home office se trabalha muito mais: “As tarefas domésticas tomam muito mais tempo do que imaginamos, sem falar na quantidade de reuniões, que aumentou muito pela “facilidade” que os encontros virtuais proporcionam por si só”, observa ela, que não conseguiu ler um livro sequer nesse período.
Não é só o tempo que está diferente. Clélia percebeu que o momento pelo qual passamos é bastante delicado e, por isso, afirma ter se tornado mais boazinha em suas aulas.
– Todo mundo está passando por momentos complicados, vivendo situações barra pesada. Neste segundo semestre on-line, as aulas precisam ser um lugar de acolhimento e troca – reconhece a professora.
Essa constatação também se reflete em sua vida pessoal. O ritmo mudou. Clélia tem dormido cedo, por volta das 22h, e incluiu na nova rotina aulas de pilates no Parque das Figueiras. Tudo que é consumido é do bairro e faz questão de encomendar comida pelo menos uma vez por semana dos lugares de que mais gosta, como o Prana e o Bar Joia, para garantir sobrevida a eles neste período. A única vez que saiu para jantar foi ao Jojô, que tem poucos lugares e mesas do lado de fora. “Esqueci até que tenho carro e a bateria arriou”, conta.
Em setembro, a fim de organizar melhor o trabalho, voltou ao escritório da Raccord – sua produtora – a dois quarteirões de sua casa. Por enquanto, estão indo apenas ela, Marcos Pieri, também sócio e morador do bairro, e uma funcionária, que pediu para voltar ao escritório, onde acredita que rende melhor.
– O vírus mata. A pandemia não acabou – conclui, reforçando suas atitudes.
0 comentários
Trackbacks/Pingbacks