Quantas pessoas podem dizer que realizaram um sonho de infância? O ator e diretor Ernesto Piccolo é uma delas. Seu desejo era poder viver de teatro e, hoje, fica feliz em dizer que conseguiu. Mas que ninguém pense que a carreira teatral é fácil. Para chegar lá, Piccolo precisou abraçar vários projetos simultaneamente, antes de comprar o apartamento em que mora, na Gávea.
O bairro faz parte de sua vida desde os quatro anos. Depois de passagens pelo Jardim Botânico, Barra da Tijuca e Joá, ele voltou para a Gávea aos 23 anos e lá se vão 35 anos.
– Meus filhos nasceram na Artur Araripe, morei também na João Borges. Sem falar que muitos dos meus trabalhos são realizados aqui pertinho, nos teatros do Shopping da Gávea – destaca um dos atores da peça “O que o mordomo viu?”, de 1986, com Julia Lemmertz no Teatro Clara Nunes (foto).
A Gávea é mesmo sua praia. Piccolo é fã do Sushimar e do Árabe da Gávea (“parceiro e patrocinador de todas as horas”, como ele gosta de frisar), além do Bacalhau do Rei, onde seu pedido tradicional de bolinho de bacalhau com salada de batata, virou prato. Órfão do Hipódromo, onde era freguês do Lacerda, ele lamenta também que a tradicional padaria do bairro tenha dado lugar a mais uma farmácia. Contudo, o que ele gostaria mesmo de ver resolvido na região é o fedor de esgoto que o canal da rua Artur Araripe costuma exalar.
A primeira peça que lhe rendeu um pouco mais de dinheiro foi “Mais Uma Vez Amor” (2002), com Luana Piovanni e Marcos Palmeira. Depois veio “Alice”, com a Luana novamente, que ficou longas temporadas em cartaz, seguida por “Divã” (2006), com Lília Cabral. Quando a pandemia se instalou, Piccolo estava com cinco peças em cartaz. Uma delas era a peça “Simples Assim”, com as atrizes Julia Lemmertz e Georgiana Góes, que foi readaptada para formato digital, onde está disponível, gratuitamente, até 8 de novembro. Sua salvação na quarentena, porém, foi a adaptação do espetáculo “Detetives do Prédio Azul” para apresentações em drive-ins, que percorreu várias capitais brasileiras: “É uma experiência diferente. Ao invés de bater palmas, o público buzina e pisca os faróis”, afirma.
O teatro infantil é velho conhecido de Ernesto Piccolo. Ele perdeu a conta de quantos espetáculos do gênero dirigiu. O de maior sucesso, sem dúvida, foi “Galinha Pintadinha”. Ele conta que, em 38 anos de trabalho, nunca tinha tido espectadores tão atentos como os bebês, que ficam paradinhos, ouvindo a música e acompanhando tudo que se passa.
Ernesto Piccolo começou a estudar teatro aos 12 anos, no Tablado, ao lado de Chico Diaz, Dora Pellegrino e Bia Nunnes. Em 1979, ficou o ano inteiro em cartaz com “O Cavalinho azul”, mas foi no ano seguinte, com o papel de narrador na montagem de “Nossa Cidade”, dirigida por Carlos Wilson, o Damião, que foi descoberto por ninguém menos que a dramaturga Janete Clair, que o recomendou, aos 18 anos, para o papel do filho de Rosamaria Murtinho na novela “Jogo da Vida”, de Sílvio de Abreu. Piccolo fez outros papéis na TV, mas logo percebeu que ali não era seu lugar.
– O teatro é realmente onde me encontro. A passagem pelo Tablado foi muito importante, lá a gente aprende a fazer de tudo, de varrer palco a fazer bainha de roupa. Foi ali que minha paixão pela profissão se fortaleceu. Minha família não conseguia entender como eu podia passar um ano inteiro apresentando a mesma peça todos os finais de semana, abrindo mão de viagens – recorda-se ele, que atualmente é professor do curso, com aulas para maiores de 18 anos.
No cinema, sua atuação em “Como ser solteiro” lhe rendeu o prêmio de Melhor Ator no Festival de Brasília em 1997: “O convite para o papel foi uma coincidência. Me ofereci para ajudar na mudança de duas novas moradoras do prédio e uma delas era a diretora Rosane Svartman”. Anos depois, os dois voltaram a trabalhar juntos em “Mais uma vez amor”, dessa vez ela como roteirista e ele como diretor, sua principal função atualmente. Um dos trabalhos de que mais se orgulha de ter feito é o de assistência de direção do cineasta Eduardo Coutinho. A primeira vez foi em “Jogo de cena”, para o qual foi contratado como intermediário entre o diretor e atrizes que não eram famosas. A dobradinha funcionou e foi repetida nos documentários “Moscou” e “As Canções”, extrapolando a parceria para o campo pessoal:
– Ele chegou até a morar lá em casa. Virou pai, virou mestre, virou tudo… – relembra com carinho especial.
Apesar de morar sozinho agora, Ernesto Piccolo considera que se adaptou bem – na medida do possível – ao isolamento social. Logo de cara, ele cortou os passeios pelo Jardim Botânico (“meu playground”) e ao Instituto Moreira Salles. Aprendeu a fazer arroz e feijão, fez faxina e concluiu que roupa não precisa ser passada. “Só não dá para ficar sem namorar, isso não rola mesmo”, admite ele, que, atualmente, só sai para trabalhar, no Shopping Gávea, ou para ir de bike até o Leme e voltar, sempre de máscara e com álcool em gel no bolso. Para as aulas da Escola Parque (a partir de 12 anos), assim como as do Tablado, ele não precisa sair de casa: “Todas estão acontecendo on-line. A vantagem é que possibilitam o aprendizado em relação à câmera, muito importante para os atores”, explica.
Para ele, o “novo normal” veio para ficar. Ele acredita que daqui a nove meses outra crise virá e lamenta, especialmente, as constantes queimadas. “Para acabar com tamanha destruição, só mesmo com o fim do capitalismo. Esse sistema para mim já deu”, avalia o diretor, que gostaria de acabar a matéria com o grito de “Fora Bolsonaro!”. Enquanto isso não acontece, ele segue trabalhando. Workaholic, prepara, entre outras coisas, a reestreia da peça “A História de Nós Dois” on-line, em novembro, com Marcelo Valle e Alexandra Richter; e um novo espetáculo dos Detetives do Prédio Azul, em janeiro.
*Por Betina Dowsley
Grande amigo de infância! Memórias que residirão para sempre no meu coração. Talentoso, gentil, carinhoso, os anos nada apagaram.
Saudade grande das portas abertas.
Ernesto Piccolo só mora na Gávea. Em relação ao bairro – q tem uma associação de moradores atuante – esse ator nunca se envolveu com quaisquer movimentos de reivindicações para melhoria da vida no bairro. Como tantos outros atores/atrizes moradores da Gavea e igualmente indiferentes: inodoros, incolores e sem sabor.
Prezada Dora, o JB em Folhas é um jornal de bairro sem qualquer ligação com associações de moradores, que acredita no valor da cultura para o desenvolvimento da sociedade. No caso de Ernesto Piccolo, seu trabalho como ator e diretor vai muito além da Gávea, alimenta a alma e o espírito de pessoas em todo o Brasil e merece nosso respeito e valorização.