Após um período de incerteza e discussões se os blocos de rua teriam permissão para desfilar ou não em 2022, as comemorações foram oficialmente canceladas pelo segundo ano consecutivo. Para os foliões, porém, há outras maneiras de festejar, seja em eventos privados ou on-line, seja por meio das muitas e boas memórias de carnavais passados.
Em outros carnavais, as ruas do Jardim Botânico, do Horto, do Humaitá e da Gávea, costumavam ser tomadas por blocos. Um dos mais antigos foi o lendário Bloco da Bicharada, criado no início da década de 1940, que desfilou pelo Jardim Botânico por mais de dez anos. Um de seus fundadores foi o morador do bairro Haroldo Lobo, autor de algumas das marchinhas mais tocadas no carnaval – de rua e de salões – no Brasil, como “Alá-lá-ô” e “Índio quer apito”. A turma do Carioca Esporte Clube, ponto de partida e chegada do bloco, conheceu muitos desses sucessos em primeira mão. Essas e outras curiosidades fazem parte da biografia do compositor, escrita pelo pesquisador musical Carlos Monte lançará até o final de 2021.
O Bloco da Bicharada, que contava com cerca de 30 diretores, desfilava uma semana antes e durante o Carnaval, quando a rua Lopes Quintas era fechada e transformada num grande baile a céu aberto. Os gigantescos King Kong, o Urso Branco, a Girafa e o Dragão conduziam milhares de foliões fantasiados, acompanhados por pequenas alegorias de animais, confeccionados em arame, pano, tinta e papel. As fantasias e alegorias eram guardadas na Casa das Águias (antiga residência da família Canallini), no número 750 da rua Jardim Botânico, uma das poucas que ainda está de pé na via. A apoteose do bloco deu-se em 1951, nas festividades de posse do Presidente Getúlio Vargas, durante um dos maiores desfiles pré-carnavalescos que o Rio já viu.
A história do carnaval na região passa também pelo Botequim do Lili (propriedade de Luigi Chicarino, na esquina das ruas Pacheco Leão e Abreu Fialho, antigo ponto de encontro de músicos) e pelos blocos da Fábrica, do Caxinguelê, da Tina, Força Jovem e Urubu Cheiroso (todos do Horto). Este último virou Unidos do Jardim Botânico e chegou a desfilar na inauguração do Sambódromo, em 1984. Mais para baixo, concentrou-se também o Bloco do Maçarico, criado pelo comerciante Armando Ascenção, da Panificação Século XX, com jornalistas da Globo. Em seus três anos de existência, o Maçarico nunca desfilou, sendo que em seu primeiro ano ficou apenas na rua Abreu Fialho e, nos seguintes, em frente à padaria.
Mas nada representa melhor o carnaval da região do que o Suvaco do Cristo, mais famoso e longevo bloco daqui (foto em destaque). O Suvaco foi criado, em 1986, por um grupo de amigos que morava no mesmo prédio, na rua Maria Angélica. Entre os fundadores, gente de todas as áreas, como o dermatologista João Avelleira, atual – eterno – presidente do bloco; o artista plástico Xico Chaves; o músico Jards Macalé; a bailarina e fisioterapeuta Christianne Dardene; a saudosa empresária e produtora Silvia Gardenberg; e Paola Vieira, produtora e diretora do filme “20 anos de Suvaco”, de 2006.
Nos primeiros anos, os ensaios eram realizados numa quadra do Clube dos Macacos, no Horto. Nos anos 1990, o aquecimento foi transferido para o Clube Condomínio e, mais tarde, para o Monte Líbano, na Lagoa. Mesmo com o crescimento do bloco, a concentração sempre foi no Bar Jóia, no domingo anterior ao Carnaval, mas o itinerário mudou um pouco no período. Inicialmente, eles subiam a Jardim Botânico e depois a Pacheco Leão até o Clube dos Macacos. Essa fase, contudo, durou pouco, pois a ladeira é longa e pesada. Passaram então a ir apenas até o Clube Condomínio e, mais tarde, decidiram terminar o desfile no mesmo lugar da concentração. Nos últimos anos, o Suvaco sai do Jóia, segue pela Jardim Botânico até a Praça do Jockey e lá dispersa.
A marca registrada do Suvaco é a irreverência, sempre ligada ao lado lúdico do carnaval, a começar pelo nome – que chegou a ser contestado pela Arquidiocese do Rio – e por sambas antológicos assinados por Lenine, Jards Macalé, Xico Chaves, Chacal, Beto Brown e Mu Chebabi. Criado em 1985, o bloco virou o milênio no auge e, mais recentemente, se ressignificou como brincadeira e não como negócio. Em 2001, o Suvaco aderiu ao horário matutino, formando um novo público e agora, 20 anos depois e em 35 carnavais, esta é a primeira vez que o bloco não sai.
A tradição carnavalesca do Horto, que passou um tempo adormecida, reacendeu com a fundação do Vagalume O Verde em 2005. Hugo Camarate, nascido e criado no bairro, criou o bloco a partir de suas lembranças dos antigos carnavais, com o intuito de celebrar a comunidade, seus personagens e valores. Mas o VOV foi muito além e destacou-se por sua proposta sustentável, baseada no reaproveitamento de materiais para confecção de seus estandartes e fantasias, além de promover o plantio de mudas para neutralizar suas emissões de CO2. “A questão ambiental sempre esteve presente, da organização ao desfile, quando nossos integrantes passam no final com sacolas recolhendo o lixo deixado pelos foliões”, explicou Hugo, em entrevista concedida ao JB em Folhas em janeiro de 2020.
O crescimento de público é o termômetro que mede o sucesso do bloco. Em alguns casos, porém, isso acaba não sendo positivo. O Último Gole passou por esse problema e precisou tomar uma medida radical. Criado para ser uma roda de samba entre amigos, o formato agradou tanto que superlotou a praça Pio XI. A partir de 2013, seus integrantes– em sua maioria moradores do entorno da pracinha – decidiram mudar o bloco para o Parque dos Patins. Fora do período carnavalesco, o UG seguiu com sua versão original, em rodas de samba pontuais em frente ao Mercado Afonso Celso. No início de 2022, após dois anos sem encontros presenciais, o UG se reuniu pela primeira vez com todos devidamente vacinados.
Caminho bem diferente foi adotado pelo Monobloco, cujo embrião foi uma oficina de percussão com integrantes do grupo Pedro Luís e a Parede, no Espaço Sérgio Porto, em 2000. Em janeiro do ano seguinte, o Monobloco “herdou” o local de ensaio do Suvaco, para o qual o Clube Condomínio havia ficado pequeno. O primeiro desfile do Monobloco foi do Planetário até a praça Santos Dumont, mas não tardou para que o crescimento do público o levasse para outras paragens, longe da região, que, até 2020, contava também com os blocos Escangalha e Me Esquece, no JB; Me Beija Que Eu Sou Cineasta, Desliga da Justiça, A Rocha e Filhos da PUC, na Gávea; e o tradicional Bloco de Segunda, na Cobal do Humaitá, e o infantil Bloco da Sá Pereira, no mesmo bairro. Este ano, seguindo o calendário carnavalesco da prefeitura, o ensaio do Monobloco está marcado para o dia 22 de abril, na Fundição Progresso.
A turma miúda também tem vez no Jardim Botânico, onde a Jardim Botânico Educação Infantil, por mais de 20 anos, promoveu um desfile discreto, no final da rua Visconde da Graça, sempre na quarta-feira anterior ao carnaval. Já o bloco da Atchim Creche Escola juntou-se ao É Pequeno Mas Balança, transferindo a animação da rua Maria Angélica para a rua Professor Saldanha. Sem dúvida, o maior destaque para o público infantil é o Bloco da Pracinha. Desde 2006, ele concentra, mas não sai da praça Pio XI, sendo considerado o bloco mais infantil do carnaval carioca e um dos mais importantes da agenda do pequeno folião. Como a regra este ano é ficar em casa, a educadora musical e cantora Barbara Lau, comandou a brincadeira pela sexta vez consecutiva, com o Bloco da Pracinha Virtual. Para o carnaval de 2022, ainda não há nada programado. Estão disponíveis no canal Barbara Lau Música e Educação, no YouTube, dois programas com oficinas de percussão e customização de fantasias, além de apresentação da cantora interpretando os hits favoritos da petizada.
*Por Betina Dowsley
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