Para quem não está juntando o nome à pessoa, Juliana Sucupira é a cantora profissional que ficou famosa cantando na janela de seu apartamento logo no início da pandemia. Da sua quarentena, na Gávea, Ju foi parar no Jornal Nacional e até na retrospectiva 2020 do Globo Repórter, ambos da TV Globo, chegando à casa de milhões de brasileiros. Juliana lembra como tudo começou:
– Nada foi premeditado. Eu havia me emocionado com o movimento que estava acontecendo na Itália e, no dia 22 de março do ano passado, ao ouvir os sinos do Mosteiro das Clarissas, comecei a cantar “Ave Maria”, de Gounod, bem baixinho. Algumas pessoas ouviram e pediram para cantar mais alto.
A “oração” tocou o coração dos vizinhos e mostrou à Juliana a importância da música para amenizar a rotina tensa e de isolamento da pandemia. A cantoria foi rotina na vizinhança por 105 dias, e o canto à capela, com o tempo, foi encorpado com microfone e caixa de som. Da “Ave Maria”, Ju passou para as “Bachianas”, de Villa-Lobos; sucessos de Frank Sinatra; trilha do filme “A noviça rebelde”; e a canção “Scarborough Fair”, de Simon & Garfunkel. Esta última a pedido da atriz Cissa Guimarães, em comemoração ao aniversário dela, em abril do ano passado. Outro homenageado foi o cantor e compositor Moraes Moreira, que morava no prédio ao lado do da Juliana.
– Sempre cruzava com o Moraes na rua ou tomando café da manhã na padaria Gávea Shop. Ele passava e cumprimentava com um “oi, família”. Tinha pensado em propor um dueto na janela, mas não deu tempo – lamenta Ju, que segue cantando diariamente, agora só em seu perfil do Instagram.
A vizinhança da Rua das Acácias jamais será a mesma. Juliana ficou amiga de várias pessoas e, uma delas, acabou tornando-se sua produtora. E gentileza gera gentileza. Ao longo do período, Ju foi presenteada com flores e cestas de café da manhã como forma de agradecimento. Em janeiro de 2021, quando pegou COVID-19, os vizinhos se mobilizaram para mandar comida para ela e sua família (marido e três filhos). Nesta Páscoa, atendendo a pedidos, ela voltou à janela após nove meses, em edição única, e foi surpreendida pelo carinho ao seu redor, com direito a chuva de pétalas e filmagens de diversos ângulos, uma delas da médica Luciana Nasajon:
– Sem a Juliana, aqueles 105 dias teriam sido muito mais difíceis. Vizinhas há tantos anos, foi necessário o isolamento pra gente se conhecer e se tornar amigas – conta a ginecologista, que abriu seu terraço para que ela cantasse e os vizinhos dos fundos pudessem vê-la.
Juliana nasceu e viveu a vida toda – exceto entre os 18 e 22 anos – na Gávea. Nesse breve intervalo, porém, não mudou muito de ares. O novo endereço ficava na rua Benjamin Batista e ela cursava Desenho Industrial na PUC. Antes, estudou no colégio Teresiano e passou pela creche Saint Germain, que depois passou a se chamar Ciranda Cirandinha e agora é Espaço Envolvimento. “Daqui só saio para o cemitério”, avisa ela, que mora no mesmo apartamento da infância, mas continua visitando o Jardim Botânico para ver os pais, nem que seja da varanda.
O Shopping da Gávea sempre fez parte de seu dia a dia, e ela agora fica triste ao vê-lo vazio. “Me sinto órfã da Livraria Timbre, da Oficina do Pastel e do Beluga”, enumera. Dos que ficaram, ela destaca o Chez Anne, que tem “o melhor mil folhas do mundo”, e a In Use, loja de informática e eletrônicos que a salvou em vários momentos da pandemia: “No período em que tudo estava fechado, o dono ia até a loja pegar os produtos e deixá-los na portaria”, recorda ela, que comprou cartucho de impressora, mouse e até ring light para suas lives.
Fora do centro comercial também houve perdas significativas para ela. Além da padaria Gávea Shop, ela ficou triste com o fechamento da Sapataria São Vicente, onde costumava comprar o uniforme escolar de seus filhos. Para variar o cardápio em casa, a cantora apela para o Sushimar e os bolos e refeições do bistrô Da Casa da Táta. Apesar de ter cantado na inauguração da FarmaLife, na esquina da rua Professor Manoel Ferreira, em outubro, a quantidade de farmácias por metro quadrado no início da rua Marquês de São Vicente ainda a espanta.
Habituada a se apresentar em grandes eventos corporativos e familiares, a rotina de Juliana mudou muito. Depois de muito tempo parada, foi contratada para cantar na porta de um casal que comemorava Bodas de Ouro e em um casamento com cerca de dez convidados, na suntuosa Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé (no Centro). Ela acredita que este universo de eventos vai mudar bastante; contudo, ainda não sabe avaliar se a cantoria na janela dará algum retorno para sua carreira quando tudo isso passar. No campo pessoal, entretanto, ela já consegue ver alguns ganhos:
– Apesar de todas as dificuldades impostas com a nova rotina, o convívio intenso com meu marido e nossos filhos foi ótimo, proporcionou aprendizado, respeito, autonomia e a união da família. Encontrar o ponto de equilíbrio nas relações foi um ganho que vamos levar para sempre – conclui.
*Por Betina Dowsley
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