Desde os anos 2000, Armando da Silva de Ascenção é a figura à frente da padaria Século XX, na esquina das ruas Pacheco Leão e Von Martius. Sua dedicação ao negócio da família, porém, começou na juventude. O estabelecimento foi fundado em 1968, por seu pai, Anselmo de Ascenção, a reboque da inauguração da TV Globo. Na época, Armando era adolescente e morava em Copacabana: “Lembro que as pessoas desconheciam o que havia aqui pra cima, era bem bucólico”.
São muitas as recordações. Em frente à padaria, na rua Von Martius, havia dois estabelecimentos importantes para o bairro: a Samu uma UPA daquele tempo, que tinha sempre uma ambulância na porta; e O Musical, clube de entretenimento criado pela América Fabril para seus funcionários. Naquele tempo, a rua contava também uma sorveteria e o bar Toquinho, onde hoje é o Globar. Segundo Armando, o comércio cresceu em função da Globo, que por muito tempo manteve ali a sala da Guta, que selecionava elenco de apoio para as produções da TV, bem próximo da Século XX.
Um dos endereços mais famosos naquela época era o Bar do Seu Lili, como era conhecido Luigi Chicarino. Ele sempre pedia que Armando fosse entregar o pão e costumava segurá-lo para ouvir suas histórias da região:
– Seu Lili foi um personagem fundamental para o bairro. Ele ajudou a pagar e a legalizar várias casas das vilas operárias, garantindo o direito dos antigos trabalhadores da fábrica – destaca Armando, que se tornou um ótimo contador de “causos”.
A primeira passagem de Chacrinha pela Globo foi determinante para o comércio local. O sucesso de seu programa levava multidões para a porta da emissora, fechando a circulação de carros na rua. Todos queriam ver seus ídolos de perto e muita gente buscava uma oportunidade de aparecer na TV. “Aos sábados, a padaria fazia cinco mil coxinhas de galinha e, às 18h, já tinha vendido tudo”, lembra Armando, que fez boas amizades no balcão.
Uma delas foi o maestro e compositor Tom Jobim, “amigo do coração”. Quando estava no Brasil, ele ia todos os dias à Século XX tomar café da manhã: um cafezinho, uma barra de chocolate Nestlé e um charuto Dom Pedro, que era caro e comprado especialmente para o consumo do maestro.
– Uma vez Tom leu numa revista francesa que Charles Chaplin pagou um jornaleiro com um cheque, que foi vendido, anos depois, por um valor muito superior ao endossado pelo artista. Daí sugeriu que eu fizesse o mesmo com o cheque de cem mil cruzeiros – o equivalente a R$ 30,00 –, referente à despesa daquela manhã. Eu segui apenas parte do conselho e guardo o cheque até hoje!
Antes da cidade cenográfica do Projac ser ativada, muitos atores e atrizes frequentavam a padaria Século XX, das vizinhas Renata Sorrah e Yoná Magalhães, que passava com seu cachorrinho, a Francisco Cuoco, que parava para tomar um chope ou whisky ao final das gravações, antes de voltar para casa. Os artistas mais chegados são Stepan Nercessian, cujo início da carreira foi acompanhado por Armando; e Otávio Augusto, Paulo César Grande (ao lado, com Armando) e Davi Pinheiro, moradores da região e frequentadores da padaria até hoje. Quando a tarde cai, é comum ver estes artistas no entorno da padaria trocando uma prosa com o comerciante. Destes, Davi é a figura mais identificada com o bairro: “Além de ter nascido e viver até hoje aqui, seu pai foi muito importante na região, trabalhou na feira, teve mercado, aviário, sorveteria e construiu casas. Agora o Davi procura manter tudo como o pai deixou”, observa.
Seguindo a tradição carnavalesca da região, Armando fundou o bloco Maçarico, com amigos jornalistas da Globo, em 1995. A origem do nome vem do calor dos ensaios carnavalescos na quadra da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense. A estreia teve camiseta feita pela carnavalesca Rosa Magalhães e apresentação de Dona Ivone Lara, que cantou em frente à padaria por duas horas. O sucesso deslocou a concentração para o Bar do Seu Lili, na esquina da rua Abreu Fialho, atraindo grupos de sucesso, como o Exaltasamba, e cortesia de 10 mil latas de cerveja. O crescimento do bloco gerou desavenças e decretou seu fim um ano depois.
Entre idas e vindas já é a terceira vez que Armando reside no Jardim Botânico. Ao todo, são quase 20 anos naquele que ele considera “o melhor lugar para morar”. Com a pandemia, a vivência foi ainda mais intensificada. Como seu pai é idoso e deixou de sair de casa, Armando tem trabalhado todos os dias, ininterruptamente. No pouco tempo livre que tem, faz caminhadas pelo Horto e sai para pescar: “Vou de barco, com amigos, ou de caiaque. A Lagoa tem robalos grandes e bonitos”, revela.
*Por Betina Dowsley
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