4 de fevereiro de 2022
UM PASSEIO PELO JB DE ANTIGAMENTE

“Uma vez, em uma livraria, vi uma foto de um jornal falando sobre a inauguração do primeiro arranha-céu do JB”, comenta Alfredo Canalini, 66 anos, médico e Presidente da Sociedade Brasileira de Urologia. O “arranha-céu” em questão é o Edifício Canalini, o prédio de três andares, que até hoje está presente no bairro, na esquina das ruas Pacheco Leão com Jardim Botânico.

A história de Alfredo está ligada ao Jardim Botânico por conta do avô, Augusto, que escolheu o bairro para morar quando chegou no Brasil vindo da Itália, no final do século XIX. Empreendedor, ele fazia o beneficiamento do Café Itália, sua marca, e logo inaugurou um armazém de secos & molhados, tipo de comércio popular na época. E tudo funcionava no terreno que o patriarca dos Canalini comprou, que era uma espécie de chácara, que ia do número 8 da Pacheco Leão até o número 728 da rua Jardim Botânico, onde atualmente fica a Galeria dos Correios. Mas ele já estava de olho no futuro.

– Vovô era um investidor e percebeu que o bairro estava crescendo e que haveria uma demanda por moradias. Então, resolveu construir um prédio”, conta Alfredo. 

 

E assim o Edifício Canalini foi construído, a partir do projeto de um arquiteto italiano e inspirado na linha art-decó da época.  Inaugurado em 1932, o prédio foi o primeiro arranha-céu do bairro, com seus três andares e 12 apartamentos, além de quatro lojas no térreo. Como o Armazém fechou quando o avô de Alfredo faleceu, em 1950, restou do patrimônio o prédio e a fachada da casa, tombada pelo Iphan, que existe até hoje e chama a atenção de quem passa por trazer no alto duas águias e as iniciais AC gravadas no alto. 

–  Olhando fotografias antigas eu achei uma foto do meu avô com um falcão, acho que ele tinha este gosto por aves e acabou deixando registrado na casa -, recorda Alfredo que não conheceu Augusto, mas sabe de todas as suas histórias por conta do pai Antonio, caçula dos quatro filhos do patriarca. “Meu pai aprontou muito e tinha a independência como uma de suas características mais marcantes. Ele morreu aos 97 anos, mas tomou conta absoluta da vida dele até os 96”, afirma Canalini.

Apaixonado por carnaval, Antonio se aproximou de Haroldo Lobo – compositor de marchinhas clássicas como “Alalaô” e “Índio Quer Apito”.  O ponto de encontro era a casa da família e foi nesse ambiente que surgiu o Bloco da Bicharada, organizado por Haroldo, no qual só desfilava quem estava fantasiado de algum animal. Antônio criava as fantasias no quintal da casa, que funcionava como uma pequena oficina. “O começo da Liesa foi ali e papai foi o precursor”, brinca Alfredo, que só lembra de ter visto o desfile uma vez, quando era pequeno.

JB 748, o QG do Bloco da Bicharada

Apesar de gostar de samba e de Cartola, o médico não herdou o DNA folião do pai e tem poucas lembranças dos carnavais da região.  “Ele me levava aos bailes do Clube Condomínio no Horto, que reunia todas as classes sociais do Jardim Botânico na época. Ele me levava também nos bailes do Carioca e do Flamengo, que era sócio. Aliás, no Carioca ele fazia parte do Conselho e foi quem construiu a piscina” – lembra ele, que até hoje tem sua carteirinha.

As lembranças de Alfredo se espalham pelo bairro, já que ele mesmo morou na Pacheco Leão 8 com os pais por muito tempo e cultivou o hobby de tirar fotos da janela do seu apartamento no Edifício Canalini. Uma delas registra a rua General Garzon bem no seu começo. (foto acima). Outras lembranças de um Jardim Botânico de antigamente é a Feira da Providência, que ele recorda, teve uma de suas primeiras edições no Parque Lage e, em seguida, foi para a Lagoa, onde ficou até 1978. “Eu economizava o dinheiro da mesada o ano inteiro para gastar na Feira”, conta Alfredo que uma vez, chegou em casa com uma espada comprada na barraca do Exército, para espanto dos pais, que ele passou a deixar pendurada na parede do quarto.

O programa da família era ir ao Cine Jussara – que ficava na rua Jardim Botânico 674, exatamente onde hoje é o consultório de Alfredo. Ele lembra que o espaço não tinha ar-condicionado e certa vez, na exibição do filme “Help!” dos Beatles, a sala estava tão cheia que a projeção parou e as portas foram abertas por conta do calor que fazia. Alfredo relembra desses programas com carinho, acrescentando que, quando chegavam em casa, a família comia waffle e a mãe dele tomava chá, “aquela coisa bem típica de mulheres nos anos 1940 e 1950”, diz.

Como toda criança, brincar na rua também fez parte da infância de Alfredo. Só que com um pequeno diferencial. Para ele e os amigos, o Jardim Botânico da época – sem ingresso e sem grade – funcionava como uma extensão do quintal de casa e era um lugar mágico, onde ele teve a oportunidade de conhecer a Palma Mater, a primeira palmeira plantada por Dom João VI, destruída por um raio em 1972. Mas apesar de ser quinta, o parque, mesmo naquela época não permitia que jogasse futebol e a pelada então se concentrava em um terreno baldio na Rua Sara Vilela, onde atualmente é uma casa. “O campo de antigamente, cheio de pedrinha que machucava o pé, hoje virou um campo de futebol society”, brinca Alfredo, evidenciando as mudanças ocorridas no bairro ao longo das décadas.

Praça Dag Hammarskjöld

Morando em Ipanema há muitos anos, Alfredo vem ao Jardim Botânico apenas para trabalhar, normalmente de carro. Ao refletir sobre como o bairro está atualmente ele cita um trecho da música “Maria Bethânia”, de Caetano Veloso, “everybody knows that our cities are build to be destroyed”.  Mas apesar de perceber muitas mudanças na Rua Jardim Botânico, andar na Rua Lopes Quintas é “voltar no tempo”. São lembranças que passam pela rua Visconde de Carandaí, onde ficava Conservatório Luciano Gallet, onde tinha aula de música com a dona Silvia Tavares. A casa ainda existe e foi sede do evento Casa na Toca – mostra de decoração de ambientes infantis. Outro lugar que lhe traz memórias afetivas é a praça Praça Dag Hammarskjöld, que tinha a melhor vista. “A parte alta, perto da escadaria, ficava um mirante, de onde você conseguia ver, em uma sequência, as palmeiras do Jardim Botânico, a Lagoa e, lá no final, o risco do mar, recorda saudoso, para completar:

– Para mim, a essência do Jardim Botânico é ser um bairro que conseguiu preservar uma área tão agradável e com uma vista tão bonita”, conclui.

1 Comentário

  1. Silvio Ricardo Souza Costa.

    Parabéns. Que história linda .

    Responder

Trackbacks/Pingbacks

  1. O DISCRETO CHARME DA BURGUESIA – JB em Folhas - […] “Ele foi o responsável pelo primeiro “arranha-céu” do bairro”, recorda o neto, Alfredo Canalini, um dos antigos moradores do…

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados