Era uma vez um grupo de amigos que gostava muito de música e de ver seus artistas no palco, mas sofria com a situação da cena cultural do Rio de Janeiro no ano de 2010. Aos poucos, eles foram tomando contato e descobrindo que tinham outras pessoas interessadas na mesma coisa e decidiram unir forças para trazer shows que queriam ver. E nesta sintonia e no mantra “a união faz a força” surgiu o “Queremos”, que realizou o primeiro financiamento coletivo do mundo para shows e trouxe a banda sueca Miike Snow ao Rio para uma única apresentação no Circo Voador, em novembro de 2010. E entre estes amigos estava Felipe Continentino, um jovem aspirante a cineasta, morador do Jardim Botânico desde os 14 anos.
Do primeiro show para os outros foi um pulo e o projeto cresceu e se multiplicou e hoje se define como uma plataforma global de eventos focada na interação direta com os fãs. Hoje o Queremos é uma referência nacional e internacional, com uma agenda de shows mensal em alguma cidade do Brasil, além dos festivais. Do grupo inicial, ficaram Felipe Continentino e Pedro Seiler que estarão no próximo sábado, abrindo a quarta edição do Festival Queremos, na Marina da Glória. Com expectativa de reunir mais de 12 mil pessoas e tendo no line-up nomes como Batekoo, Cymande, Marisa Monte, Liniker, Mc Poze do Rodo, Antonio Carlos & Jocafi e outros. E o projeto vai muito além de um simples festival de música, pois reúne também gastronomia e sustentabilidade.
– Tudo foi acontecendo naturalmente, sem atropelos. A gente não tinha experiência, mas tinha a vivência e sabíamos o que queríamos. E a cena cultural era diferente: o Rock in Rio não tinha voltado ainda, a Lapa não era o que é hoje e nem o Circo Voador. Mas tivemos ajuda de produtores e do próprio Rolinha, do Circo, que acreditou na ideia e nos avalizou juntos aos empresários da banda. – conta Felipe.
Desde o primeiro festival, em 2018, o Queremos tem o Comemos que reúne em seu festival uma praça de alimentação com várias opções gastronômicas. “Queríamos proporcionar uma experiência diferente para comer durante o show e fui conversar com o Thiago Nasser, da Junta Local, que é meu amigo e topou em um primeiro momento fazer um cardápio de dois sanduíches. Depois veio o festival e o projeto seguiu naturalmente”, explica Continentino que adianta que, em breve, o Comemos vai seguir em um projeto solo no QG do Queremos.
O sobrenome Continentino está ligado à música. Mas Felipe se formou em comunicação e foi atrás da publicidade, do marketing, trabalhando com cinema por quase dez anos como assistente de direção até que o DNA falou mais alto e a danada da música entrou com força total na sua vida através do Queremos. Hoje, ele ainda não sabe como se definir exatamente. “Tem gente que diz que sou produtor cultural, outros que sou empresário. Acho que sou um pouco dos dois”, arrisca.
Com 45 anos, o produtor tem na sua rotina diária o trajeto Jardim Botânico-Gávea, onde fica o escritório e a escola do filho Arthur. Mas quando o assunto é o Jardim Botânico, Felipe tem certeza de que seu encanto com o bairro vem antes dos 14 anos, quando efetivamente veio morar na região. “Meu pai é arquiteto e já morava aqui antes e me apaixonei muito por conta da relação dele com o JB. Me lembro de uma manifestação que participei, contra a construção do prédio (Touch) onde ficava o Posto Shell”, recorda.
Como morador, Felipe teve passagens pela rua Peri, Benjamim Batista e arredores. Casado e com um filho de oito anos, ele gosta de aproveitar o verde que a região oferece para fazer programa família, seja caminhando pelo Jardim Botânico de onde são sócios ou correndo na Vista Chinesa e aproveitando as cachoeiras. “Somos privilegiados e temos que aproveitar essa natureza em volta”, declara.
O programa favorito: aproveitar o verde da região
Sem carro há mais de dez anos, Felipe adotou a bicicleta elétrica como transporte da família, seja para levar o filho à escola, seja para ir para a produtora, na Gávea, seja a passeio. Não abre mão da sua magrela, mas no dia a dia observa que o bairro está estrangulado pelos transportes públicos e precisa urgentemente de uma ciclovia que priorize os ciclistas.
“Precisamos de uma linha de circulação só para as bicicletas, pois como o transporte cresceu, a calçada está virando um caos, especialmente para os entregadores, que são os que mais se arriscam no trânsito”, afirma ele que assume andar cautelosamente na calçada, por não se sentir seguro em circular pela rua em alguns trechos. E quando alguém reclama, ele, educadamente, pede que as pessoas o ajudem a mudar isso. “Temos que encontrar uma solução. Quando você cria o espaço com segurança, o crescimento da bicicleta é incrível. É só ver o que aconteceu em Paris durante a pandemia e em Londres agora, que já tem um volume maior de bikes do que de carros. Agora com essa ciclovia que temos, onde a prioridade é do pedestre, não vamos a lugar algum.”, conclui ele, que lembra também da falta de bicicletários pela cidade. Ele mesmo está tentando colocar um na frente do seu prédio – que não tem garagem – e já mandou o pedido o email scmagpc@rip.rj.gov.br, mas ainda não teve retorno. “Qualquer um pode fazer, está lá no 1746”, diz.
Ele aproveita o assunto transporte para falar de sua animação com o projeto VLT que vai ligar a Gávea à Botafogo. “É a maior transformação que o bairro poderia passar. Acompanha muito as pessoas que falam sobre mobilidade urbana lá fora. É um redimensionamento do asfalto. O problema aqui está em termos 350 linhas de ônibus que passam pelo mesmo lugar, quando se deveria ter apenas uma.
No bairro, ele aguarda a volta das peças do Tablado, onde costumava levar o pequeno Arthur, que já estudou no Tabladinho -, e sente falta de um cinema e de uma livraria, mesmo sabendo da existência da Janela. “É o outro lado do parque, né? É o que acontece com a Slow Bakery, que gosto muito, mas acabo não indo. Minha rotina está toda focada deste lado do JB até a Gávea”, afirma o morador que no quesito gastronomia, acha tudo muito caro. Gosta de ir ao Bibi, e está animado com a chegada do Katz-su na Von Martius. “A proposta deles é oferecer uma gastronomia que se pretende acessível. Precisamos disso.”
Felipe está animado com a chegada do Katz-su
Ciente de que todos devem fazer sua parte para tornar o mundo mais sustentável, Felipe, junto com Pedro, promovem, através do Queremos, um festival sustentável, com um olhar para o lixo gerado e como poderiam fazer diferença. “Foi um desejo natural, não só da gente, mas das das próprias marcas que patrocinam, como a Heineken. Com eles, vamos mostrar no próximo sábado o resultado da reciclagem dos copos do último festival, que retornarão como piso de plástico nos banheiros. Assim a gente completa a circularidade”, explica Felipe. A plataforma também se preocupa com os resíduos orgânicos, que são destinados ao Ciclo Orgânico e aos poucos está criando o Queremos Floresta, que visa o plantio de árvores, em parceria com o Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA), de Miguel Pereira. “Já temos 1.419 árvores e este ano serão plantadas mais de 3.000, na foz do Rio Guandu, que abastece o Rio de Janeiro”, afirma.
Com este olhar atento para o meio ambiente, Felipe não se esquiva de falar sobre o maior problema ecológico da região atualmente: a construção do dormitório do IMPA no Horto. “Já fui a algumas manifestações e fico impressionado. Estão derrubando uma floresta em um bairro onde o maior atrativo é o verde. Você vai na Cachoeira dos Primatas e dá pra ver o estrago lá de cima ou na própria rua Barão de Oliveira Castro. É inaceitável!”, se revolta.
A obra do Impa e as ciclovias do bairro,
tos projetos em andamento, ainda há espaço para novos Queremos na agenda de Felipe. Um deles é um Festival de gastronomia com música, e outro, com diferentes gêneros musicais para 2024. “Nós já fazemos música com gastronomia, agora vamos inverter e fazer da gastronomia o carro-chefe, com shows de pequenos artistas”, finaliza o jovem empreendedor.
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