10 de abril de 2025
A MULTIPLICIDADE DE ANALU PRESTES 

Quem costuma passear pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, já deve ter se deparado com a atriz Analu Prestes, 73 anos, em uma de suas caminhadas diárias, quando aproveita para fotografar a natureza ou ler o texto do  monólogo “Senhor Diretor”, baseado em um conto homônimo de Lygia Fagundes Telles, com adaptação e direção de Silvia Monte, que está em cartaz até 27 de abril no Teatro Poeira.

Atriz, cenógrafa, figurinista, artista visual e fotógrafa. Uma artista multimídia. Assim, Analu Prestes se autodefine. Com apenas 15 anos, seus pais notaram essa energia múltipla e a matricularam na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em um curso de artes plásticas e teatro para adolescentes. Ali, ela deu os primeiros passos na vida artística ao ser dirigida por Naum Alves de Souza, que se tornou seu grande mestre e que, em 1971 a escalou para protagonizar o curta, “Julia Pastrana”. Depois disso, Analu não parou mais.

O cinema foi o responsável por trazer a jovem santista para morar no Rio de Janeiro, onde veio parar, a convite de Luiz Rosemberg Filho, para filmar “A$suntina das Amérikas”, em 1974. 

“Conheci o Luiz na Europa e ele me dizia que o Rio era minha cara. E era mesmo. Voltei de viagem, peguei meu carro – na época, um Jeep Ford Willys -, e atravessei a (rodovia) Dutra até chegar na Cidade Maravilhosa”, relembra Analu que, antes disso, aos 21 anos, recebeu seu primeiro prêmio de melhor atriz (pela Associação Paulista dos Críticos de Arte) por sua interpretação na peça  “O Casamento do Pequeno Burguês”. Nessa época ela conheceu Marieta Severo e iniciou uma amizade que se mantém forte até hoje. 

Analu em casa, na frente de um painel criado por ela (Foto: Chris Martins)

No Rio de Janeiro, a atriz residiu com Rosemberg por um tempo no Leblon, época em que era comum os artistas morarem em comunidade. Ela assume que é bem da geração dos anos 70, que costumava circular com seu jeep, sem capota, a qualquer hora do dia e da noite, “sem medo de ser feliz, sem violência”. Depois de se casar com o ator Buza Ferraz – com quem viveu durante cinco anos -, ela veio morar no Horto. De lá foi para a Gávea, Santa Teresa e acabou voltando para o Horto, onde residiu por 10 anos na rua Barão de Oliveira Castro, no prédio Primavera, até ele ser invadido pelas águas do famoso temporal de 2019. “Depois desse acidente, eu não me sentia mais segura para morar ali e acabei encontrando esse apartamento no Jardim Botânico, onde estou há seis anos”, afirma Analu. 

O aconchegante imóvel imprime bem a personalidade múltipla da atriz, com fotos, pinturas e colagens feitas por ela, espalhados em cada cômodo. Apaixonada pelo Jardim Botânico, Analu tem como rotina começar o dia caminhando pelas aleias do parque que dá nome ao bairro. “A natureza é a minha igreja. Morando aqui, posso ir lá todos os dias, falar com minhas entidades e me nutrir”, reflete ela, que gosta de circular a pé pela região.

Foto de Analu, tirada em uma das caminhadas pelo JBRJ 

Embora reconheça que o teatro é a sua casa, Analu Prestes nunca se limitou e tem trabalhos marcantes no cinema, na TV e no teatro. Mas a artista é do tipo que coloca a mão na massa e está sempre curiosa por aprender coisas novas.  “Sou do tempo em que a gente não só atuava, mas tinha que arrumar o cenário e fazer de tudo um pouco. Não sei ficar parada e sou artesã. Não mando ninguém fazer, eu mesma crio tudo”, revela a artista que em “Senhor Diretor” assina a direção de cenário e figurino.  

Entre uma peça, uma novela e um filme, Analu se dedicou à fotografia, cerâmica, marcenaria e fez muitas exposições, conquistando fãs para além dos palcos, telinhas e telonas. Um deles, inclusive internacional: Mick Jagger, do “Rolling Stones”, que comprou duas esculturas de jacarés de madeira “bem pop, bem loucos” de um trabalho que ela estava expondo em uma galeria carioca, que foi convidada para decorar o camarim da banda inglesa, em 1995, quando se apresentou no Rio. Outra obra de destaque é uma série de esculturas, batizada como “Memórias de Vestir”, em que a artista reúne cartas de pessoas amadas e as transforma em roupas. 

Uma das obras criadas para a série “Memórias de Vestir”.

“Eu costumo guardar muita coisa. Um dia achei cartas da minha mãe e decidi criar essa série, que foi exposta em um stand do Sesc no Fashion Rio e depois ocupou a loja Dona Coisa, onde permaneceu por anos. Recebi muitas encomendas e vendi tudo. Não fiquei com nenhuma.”,  explica.

As artes visuais surgiram em um momento importante da vida de Analu. Na década de 1980, ela precisou acompanhar o pai em sua luta contra o câncer e acabou optando por uma pausa na carreira, que durou 10 anos. Quando decidiu voltar, não teve a recepção merecida, demorando a encontrar seu lugar nas artes cênicas.

“Neste tempo fiquei trabalhando somente com cenografia e artes plásticas; mas quando decidi voltar, foi difícil arrumar trabalho, principalmente na TV. Era como se tivessem esquecido de mim. O retorno veio com “A morte de um caixeiro viajante”, peça em que atuei com o (Marco) Nanini. Depois disso, a coisa engatou e  não parei mais”, relembra.

Em cena com “Senhor diretor”, onde faz Maria Emília (Foto: Isabelle Oliveira

Agora o talento de Analu Prestes pode ser apreciado às terças e às quartas, quando dá vida a Maria Emília, uma professora paulistana aposentada que, no dia do seu aniversário, caminha pelas ruas da cidade e, indignada com manchetes e capas de uma revista, decide escrever uma carta ao “Senhor Diretor” do jornal da Tarde. Explorando as interseções entre o humor e o drama, a atriz se vê obrigada a refletir sobre o envelhecimento, enquanto interpreta uma senhora recatada, bem diferente dela, que viveu a juventude na década de 70.

“A peça se passa em 1977, época em que eu estava com 20 anos, vivendo bem a geração sexo, drogas e rock and roll. Foi um período em que, ao mesmo tempo que tudo era liberado, havia a repressão da ditadura.”, analisa. 

A atriz tem recebido diferentes retornos do público que assiste ao espetáculo. Para ela, as pessoas sentem um desconforto porque são levadas a pensar no futuro e até rever seus relacionamentos com os outros, suas críticas. A ideia da  peça surgiu depois que ela foi ler o texto de Lygia Fagundes Telles a convite da diretora Silvia Monte, que tinha assistido Analu encenando “As crianças”, também no Teatro Poeira. Diante da receptividade, decidiram montar o espetáculo e circular com ele pelo Rio. 

“Senhor Diretor” fica no Poeira até o final de abril e depois segue para Niterói e participa do Festival de Inverno, na serra. Paralelamente à peça, Analu se prepara para ir a Recife participar da estreia de “Senhoritas”,  filme em que reina absoluta e que já conta com o prêmio do júri no Festival de Biarritz. 

E assim, Analu Prestes segue administrando o tempo a seu prazer, fazendo caminhadas pelos jardins, pelo bairro, além de, pilates, exercícios corporais e o principal:  se mantendo atenta aos sinais da velhice. 

“A gente só percebe mesmo quando os outros começam a te olhar de uma maneira diferente. Mas temos que estar na onda, senão, ficamos para trás. Eu, como artista, sempre fui muito jovem e quero continuar sendo”,  conclui Analu.

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