27 de fevereiro de 2025
AONDE VAMOS PARAR SEM ÁRVORES?

Texto: Chris Martins com colaboração de Zé Miranda 

Os moradores do eixo Humaitá-Gávea sabem o quão maravilhoso é estar diariamente rodeado pelas árvores do Parque Lage, Jardim Botânico e Floresta da Tijuca. Além de toda essa beleza, um presente proporcionado pelas matas é a amenização da sensação térmica que o povo fluminense tem vivido nesse verão –  que está sendo considerado o mais quente dos últimos anos.

Não é preciso sentir na pele para entender o quanto se faz necessário ter árvores e mata verde em volta. Mas parece que essa não é a lógica de políticos e empreiteiros que têm se esforçado cada vez mais para deixar o Rio de Janeiro literalmente pelado. No final de 2024, a Câmara Municipal aprovou a Lei Complementar N°275, que permite que a Prefeitura ponha 54 lotes públicos à leilão, sendo mais de 20 deles compostos por área verde. E no início deste ano, o prefeito Eduardo Paes autorizou a derrubada de 130 árvores no Jardim de Alah. Segundo a  Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento, a maioria das árvores indicadas para corte são arbustos e de pequeno porte, enquanto outras, mais antigas, serão preservadas, e replantadas após as obras. 

Manifestantes protestaram dia 22/2 contra o corte de 130 árvores.(Fotos: Heloísa Fischer)

Agora, o que não faz sentido é justificar a derrubada de árvores com o plantio de 1.310 novas mudas. Dependendo das condições climáticas, leva-se de 3 a 30 anos para uma muda se transformar em uma árvore frondosa. 

Inaugurado em 1938, cobrindo 95 mil metros quadrados, o Jardim de Alah é o lar de diversas espécies de plantas nativas da Mata Atlântica. O consórcio “Rio + Verde”, cujo sinal de soma só pode representar uma ironia dicotômica, trouxe uma proposta de revitalização da área que mascara um plano lucrativo para a iniciativa privada. O coletivo de empresas tem como proposta de renovação, além do desmatamento localizado, a construção de lojas, cafés e restaurantes, tornando um patrimônio público tombado numa área de comércio. Tal projeto excludente em um bairro de elite, no parque que faz fronteira com o conjunto habitacional Cruzada de São Sebastião, transforma um bem comum num bem privado e ataca a qualidade de vida dos cariocas. 

No sábado, dia 22/2, Associação de Moradores e Defensores do Jardim de Alah (AMDJA), que está circulando um abaixo-assinado, promoveu uma manifestação contra a retirada das 130 árvores e conseguiu reunir um grupo bem expressivo, apesar do calor e dos vários blocos desfilando pela região. A instituição apoia a revitalização sem descaracterização do espaço. Entre vários conhecidos estava a amiga Heloísa Fischer, jornalista e atualmente membro da Coalizão pelo Clima RJ, que morou muitos anos no Leblon e apoia a AMDJA, sendo totalmente contra a proposta do consórcio Rio + Verde,

– Essa privatização é, claramente, fruto de uma política de abandono intencional, Há anos que a prefeitura do Rio ignora a existência do Jardim de Alah. Chegou a um estado de degradação que justifica toda essa manobra que está sendo feita. Essa onda de calor e as enchentes exigem a preservação e ampliação de espaços verdes na cidade. Concretar um parque público tombado, matar 130 árvores com a promessa de plantar mudas que levarão décadas para gerar uma sombra é uma atitude anacrônica e irresponsável. Já há dois shopping centers a menos de 500 metros do parque. Para quê mais shopping? – declara a jornalista.

Heloísa Fischer , representou o grupo Coalização pelo Clima. (Foto: acervo pessoal)

A proposta do consórcio tem o objetivo de gentrificação da região. Por que não recuperar áreas mal aproveitadas, como o Lagoon, que se encontra abandonado, promovendo exposições, música e cultura em geral, além de reabrir os cinemas do espaço. 

Acho um desperdício aquela área do Jardim de Alah sem uso. Há dois anos, no verão, se não me engano, aconteceu um festival ali, com barraquinhas e música ao vivo, que foi muito agradável. De outra vez, na aula de canoa havaiana, entramos pelo canal e passeamos pela lateral do parque, que tem, inclusive, algumas pontes de embarque que, antigamente, eram usadas para receber gôndolas que faziam passeios na Lagoa Rodrigo de Freitas. Recuperar o transporte lacustre na área seria muito bom. Já imaginaram, sair da Fonte da Saudade e ir até o Leblon de canoa ou barco? Seria um ganho na qualidade de vida, além de ajudar o meio ambiente. 

Uma das pontes de embarque do Jardim. (Foto: Chris Martins)

Infelizmente essa árida realidade não é exclusividade dos moradores do Leblon. Outras plantas já estão marcadas para morrer na cidade.  Os lotes verdes que vão a leilão representam, em vários casos, a última área arborizada das respectivas regiões, que serão destruídos para dar lugar a mais comércios e condomínios privados. Um censo realizado pelo IBGE em 2022 revelou o número exorbitante de 388345 que residências estão vazias na capital fluminense, mostrando que construir mais casas não adianta de nada, já que tem mais casas sem gente do que gente sem casa. Além do mais, muitas dessas obras vão acarretar em problemas relacionados ao abastecimento de água, propensão a apagões e vão gerar trânsito pela cidade inteira, o que ninguém merece.

Vale ressaltar que, apesar da maioria dos lotes se encontrarem na Zona Oeste, uma delas fica na rua Osório Duque Estrada 88, na Gávea, e faz parte de outra quebra de braço entre empreendedores e moradores, que já fizeram um abaixo-assinado, onde justificam a ação. “Este imóvel é um terreno de mata fechada, com inúmeras espécies da fauna e flora nativas. Esse verdadeiro santuário ecológico está localizado em uma rua sem saída, já sobrecarregada pelo fluxo de automóveis dos imóveis ali existentes.” – diz o texto que pode que sejam tomadas providências para tornar a área de preservação permanente, como havia sido prometido anteriormente.

Enquanto isso, seguimos com altas temperaturas e poucas sombras. Recentemente, o município entrou no “Calor 4”, índice que representa calor extremo numa escala de 5 níveis criada pela prefeitura em 2024. Se você tem a impressão de que o verão está mais insuportável a cada ano, é porque realmente está. Quer uma prova? Um levantamento realizado pelo setor de meteorologia da Globo mostra que, em São Paulo, há uma diferença de temperatura que pode chegar a 10 °C entre bairros mais e menos arborizados no mesmo horário do dia. Experimente caminhar pela Rua Jardim Botânico ao meio-dia e, em seguida, entrar no Parque Lage. Vai ver que não é brincadeira. Exemplo maior teve a paulista Silvia Calou. Ela estava no desfile do bloco “Me esquece” e sentiu o pé queimando, além de ter sua sandália descolada na parte de baixo na rua Jardim Botânico.  

– Tudo se resume a evapotranspiração. Nesse evento, as árvores liberam umidade no ar, reduzindo a temperatura local. Afora o fato da sombra criada pelas copas impedirem a incidência direta da radiação solar no solo, reduzindo aquele efeito de ilha de calor urbana. O asfalto retém e propaga calor. É matemática básica: plantar árvores é igual a menos calor, que resulta em maior qualidade de vida. – Explica Sofia Schulze, estudante de engenharia ambiental da UERJ. 

Para combater essa devastação da Mata Atlântica o caminho é um só: união e engajamento para defender a área verde que resta. Esse desmatamento desenfreado na região metropolitana impacta negativamente na qualidade de vida absoluta das pessoas – especialmente aquelas que não moram perto da praia ou da floresta.  Só assim poderemos garantir algum futuro verde para as próximas gerações. Pense nisso. 

 

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