Em tempos de Copa do Mundo, qual é o brasileiro que não quer ouvir uma boa resenha sobre futebol, especialmente se o autor tiver nome e sobrenome: João Saldanha. O advogado – que acabou técnico do Botafogo campeão de 1957 e da seleção brasileira na Copa de 70 – foi um dos mais brilhantes jornalistas esportivos do Brasil. Em 1963, ele lançou o livro “Os subterrâneos do futebol”, que ganhou uma edição comemorativa em 2017, por conta do centenário de Saldanha. E como livro não tem prazo de validade, a leitura e releitura é válida.
Em suas 256 páginas, “Os subterrâneos do futebol” conta as histórias do tempo em que Saldanha era treinador do Botafogo. Escrito em estilo coloquial – que o jornalista fazia como ninguém, como se estivesse numa conversa de bar –, ele descreve os jogos, as viagens, o clima nas concentrações, fofocas, brincadeiras e confusões. Histórias impagáveis do “grande circo do futebol brasileiro”, conforme ele dizia. São crônicas que envolvem Garrincha, Nilton Santos, Zagallo e outros craques eternizados pelo futebol brasileiro.
Segue uma das crônicas do livro para dar o gostinho:
“O aeroporto de Belém não era muito bem aparelhado, em 1957, e o avião para Caracas tinha se atrasado mais ainda. O jeito era ficar sentado em qualquer lugar, desde que não muito perto de uma porta onde estava escrito: “Sanitário – homens” que desafiava qualquer resfriado. O Tomé saiu de lá de dentro com um lenço tapando o nariz e comentou:
– Dou cinquenta pratas a quem ficar aí dez minutos.
– Dá cem e eu vou – disse o Domício, resoluto. – E se der 200, ainda fico comendo um sanduíche. Mas antes, bota o dinheiro aí na mão do seu João.
Tomé pensou, pensou, deu um balanço nas finanças e disse:
–Dou setenta pratas por quinze minutos. Aquele relógio grande ali, da parede, decide. Tá?”
Sobre o autor
Nascido em Alegrete (RS), Saldanha aos seis anos já ajudava a família a contrabandear munição, durante a revolução de 1923. Daí, talvez tenha vindo o instinto de se filiar ao Partido Comunista Brasileira, onde militou por toda sua vida e alcançou a alta cúpula. Veio para o Rio de Janeiro, em 1928, quando Vargas assumiu e o pai ganhou um cartório. Chegou a se formar na Escola Nacional de Direito (atual UFRJ), mas nunca exerceu o ofício de advogado, dedicando-se ao jornalismo, onde fez história. Sua entrada no Botafogo aconteceu nos anos 1940, como intérprete do técnico húngaro Dori Kürschner, com quem aprendeu sobre tática no futebol. Em 1957, foi contratado pelo clubecomo técnico, apesar de sua falta de experiência. Mas foi por suas mãos (e técnicas) que o Botafogo conquistou o Campeonato Estadual daquele ano, após golear o Fluminense por 6×2, com um time que contava com Garrincha, Didi e Nilton Santos. Depois, foi convidado para ser o técnico da seleção brasileira que disputou a Copa de 70. Na época, João Havelange, então presidente da Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF), alegou que contratou Saldanha na esperança de que os jornalistas fizessem menos críticas à seleção nacional, tendo um deles como treinador. Do amigo Nelson Rodrigues, Saldanha recebeu o apelido de “João Sem Medo”, por não ter “papas-na-língua” e falar o que pensava.
OS SUBTERRÂNEOS DO FUTEBOL
100 ANOS JOÃO SALDANHA – EDIÇÃO COMEMORATIVA
JOÃO SALDANHA
EDITORA LACRE
256 PÁGINAS
PREÇO: R$ 49,00
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