A história do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, com seus mais de 200 anos, serve como pano de fundo para entender o cenário cultural e político dos tempos do Imperador. Em homenagem ao Bicentenário da Independência, o instituto de pesquisas – que fecha às quartas-feiras para limpeza e manutenção – estará excepcionalmente aberto neste feriado de 7 de setembro. Em celebração à data, a Trilha do Patrimônio será oferecida gratuitamente pela equipe do Centro de Visitantes, em dois horários, de manhã e à tarde.
Dom Pedro I tinha apenas 10 anos quando o Jardim Botânico foi fundado por Dom João VI (seu pai), em 1808, como Jardim de Aclimação. Naquela época, o objetivo era aclimatar as especiarias oriundas das Índias Orientais, como noz-moscada, canela, pimenta-do-reino, além de diversos tipos de chá. A iniciativa não deu certo e, segundo registros do próprio JBRJ, os chineses acabaram virando objetos de caça – literalmente – de D. Miguel, irmão caçula de D. Pedro I, restando como resquícios desse tempo apenas a Vista Chinesa. O fracasso da proposta levou à troca de nome do lugar, rebatizado de Real Horto.
Uma das figuras mais importantes do fim do período colonial foi Friedrich von Martius, que conta com um busto no parque. Considerado patrono dos cinco biomas nacionais, o botânico alemão desembarcou no Brasil como integrante da expedição científica que acompanhou a arquiduquesa Leopoldina, futura esposa do herdeiro do trono português. Von Martius acabou virando nome de rua no bairro por uma das mais célebres obras botânicas de todos os tempos: “Flora Brasiliensis”, 40 volumes publicados entre 1840 e 1906, com mais de 20 mil espécimes vegetais catalogados, até hoje uma referência no estudo de botânica brasileira. Além disso, ele explorou questões antropológicas e de costumes da população em “Viagens pelo Brasil (1817-1820)”, “O estado de direito entre os autóctones no Brasil” e “Como se Deve Escrever a História do Brasil”, com este último trabalho participou de concurso do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado por Dom Pedro I em 1838.
O busto de Dom João VI. (Fotos: Chris Martins)
De volta ao parque, o local foi aberto à visitação pública e passou a se chamar Real Jardim Botânico no ano da Proclamação da Independência do Brasil. Àquela época, o diretor era o Frei Leandro do Sacramento, professor de botânica conhecido por seus estudos da flora brasileira. Ele foi responsável por várias melhorias e pela organização de um catálogo das plantas ali cultivadas. Em sua homenagem, além do tradicional busto de bronze, o lago das vitórias-régias ganhou seu nome.
A denominação como Jardim Botânico veio logo após a Proclamação da República, em 1890. Nessa época, o parque já era referência internacional em botânica e um dos pontos turísticos da então capital federal, atraindo visitantes ilustres, como a Rainha Elizabeth da Bélgica (em 1920) e Albert Einstein (em 1925), que ficou impressionado com a variedade de espécies ali encontradas.
O passeio pelo parque é quase uma aula. No jardim, há obras de arte e inúmeras referências históricas, como o Cômoro, com a mesa de granito em que D. Pedro I e D. Pedro II, quando jovens, faziam seus lanches; a Casa dos Pilões, parte da antiga fábrica de pólvora que funcionou no local anteriormente; a estátua-fonte da Deusa Tethys, exemplar da arte francesa em ferro fundido do século XIX; o portal da Academia de Belas Artes, primeira obra do arquiteto Grandjean de Montigny, integrante da Missão Francesa que desembarcou no Brasil com a família real portuguesa no século XIX; obras do Mestre Valentim, como as estátuas Eco e Narciso; o Aqueduto da Levada, construído em 1853; o Chafariz das Musas, construído na Inglaterra e instalado no local em 1905; a casa de onde o médico e cientista Antônio Pacheco Leão dirigiu o JBRJ entre 1915 e 1931; o Centro de Visitantes, uma construção do século XVI; e o Solar da Imperatriz, que foi sede da Fazenda do Macaco, Asilo Agrícola, Fundação Pró-Memória, menos antiga residência da Imperatriz. Por essas e muitas outras referências relevantes, o JB foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1937.
Chafariz das Musas.
Fotos: Chris Martins (as três primeiras), @amigosjb, Betina Dowsley e CVIS JBRJ.
O bicentenário do JBRJ, em 2008, foi comemorado com a criação do Centro de Conservação da Flora Brasileira, a ampliação do Centro de Visitantes com instalação de um relógio de sol à sua frente e a inauguração do Museu do Meio Ambiente, o primeiro desse tipo na América Latina. Somadas à renovação do Teatro Tom Jobim – atualmente em obras para abrigar uma ecovila cultural, voltada para o público infanto-juvenil – e a instalação de um misto de café e restaurante na área, essas novidades transformaram o que era apenas a principal entrada de carros do JBRJ em um verdadeiro corredor cultural.
Em 2017, os 200 anos da expedição científica dos naturalistas alemães Friedrich von Martius e Johann Ritter von Spix foram o tema da exposição “Spix e Martius, uma viagem pelo Brasil, 1817-1820”, no Museu do Meio Ambiente. A mostra mereceu versão digital em 2021, em comemoração aos 20 anos de criação da Escola Nacional de Botânica Tropical do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que funciona no Solar da Imperatriz.
O maior segredo da longevidade do Jardim Botânico é a natureza, exuberante e bem cuidada. Desde 1991, o JBRJ é considerado Reserva da Biosfera. O arboreto possui 54 hectares e 9 mil exemplares botânicos pertencentes a mais de 2.500 espécies classificadas, além de milhares de outras cultivadas em suas estufas, compreendendo cerca de 190 famílias botânicas, uma das maiores coleções do mundo. Já no Herbário, são 330 mil plantas desidratadas; a Carpoteca tem 5.800 frutos secos; a Xiloteca tem 10 mil amostras de madeira; e a biblioteca conta com mais de 60 mil volumes, sendo três mil obras raras. Sem falar que o lugar é ótimo para observação de aves e outros exemplares da fauna tropical.
Museu do Meio Ambiente. (Fotos: Chris Martins)
Com o objetivo de reunir e organizar todo seu acervo – que vai de sítios arqueológicos, obras de arte, monumentos e edificações históricas, além de coleções científicas e biológicas – o Jardim Botânico criou o EcoMuseu. Graças ao patrocínio firmado no primeiro semestre de 2022, o Museu do Meio Ambiente será inteiramente renovado para exibir o imenso acervo do JBRJ. A reinauguração do MMA prevista para o segundo semestre de 2023.
Em 214 anos de histórias, a natureza está sempre conquistando novas gerações, que chegam a bordo de seus carrinhos de bebê ou em ônibus escolares. O encanto passa pelo Jardim Japonês, Orquidário, Cactário, Bromeliário e Jardim Sensorial, além do portão da antiga fábrica de pólvora, que dá acesso ao parquinho infantil.
Visitas Guiadas – Bicentenário da Independência
Trilha do Patrimônio: quarta, dia 7/9, às 10h e às 14h (20 pessoas por passeio)
Gratuito.
Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Rua Jardim Botânico, 1008
Informações: (21) 3874-1808 / (21) 3874-1214 / cvis@jbrj.gov.br
*Por Betina Dowsley
📷 Chris Martins
Maravilha de matéria. Adorei a leitura. Nosso Jardim Botânico é mesmo um lugar mágico e repleto de histórias. Adorei, queridas!!!
Obrigada, Silvana. Há inúmeros aspectos a serem abordados em uma simples visita ao JBRJ.