8 de novembro de 2024
DE OLHO NO (BOM) ENSINO PÚBLICO DA REGIÃO

Com o fim do ano letivo de 2024 se aproximando, muitos pais estão em busca da melhor opção escolar para seus filhos em 2025. Apesar do preço das mensalidades, muita gente se nega a conhecer um pouco mais sobre o ensino público da região, apostando suas fichas nos já conhecidos Colégio Pedro II e Cap UFRJ. Esse comportamento reflete um preconceito persistente, baseado na percepção de que escolas municipais e estaduais carecem de qualidade de ensino e de infraestrutura adequada.

Uma visita a algumas escolas públicas nas regiões do Jardim Botânico e do Humaitá, no entanto, mostra um cenário surpreendente. Essas instituições apresentam infraestrutura moderna e uma equipe qualificada para acolher os alunos. Muitas delas oferecem ensino bilíngue, laboratórios de informática e tecnologia, além de atividades extracurriculares como hortas, capoeira e oficinas de percussão. Em parceria com projetos sociais, algumas escolas disponibilizam apoio psicológico para os alunos com alguma dificuldade. Existem problemas, é claro: falta mão de obra para ajudar nos trabalhos administrativos, mas diretores e coordenadores lançam mão do coletivo e vem conseguindo bons resultados e tem como maiores aliados, muitas vezes os pais.  Vale destacar a dedicação e o esforço desses profissionais da educação que não se limitam ao papel de professor, mas estão sempre resolvendo outros pepinos que não estão ligados diretamente à educação.  

“Sabemos que a educação não é o único caminho para transformar a sociedade, mas é certamente um dos mais eficazes para proporcionar oportunidades e abrir portas”, aposta a gestora Elizabeth Pereira, da Escola Municipal  Pedro Ernesto.

Filha de professor, a jornalista Paula Autran quis optar pela educação pública para o filho Pedro, com nove anos recém completados.  Para ela, a iniciativa surgiu da vontade de romper a bolha social e buscar diversidade e convivência com colegas de variadas origens, incluindo muitos da Rocinha. Matriculado desde o maternal na rede pública, o menino e a família estão satisfeitos. 

O pequeno Pedro estuda desde o maternal em escola pública e adora!

 “A realidade não é a mesma para todas as escolas da prefeitura, muito menos nas estaduais, mas há, sim, cada vez mais boas opções”, reconhece Paula, que como repórter teve oportunidade de acompanhar de perto os avanços e desafios da educação pública no Rio. Ela lembra também a influência de seu pai, professor que lecionou em colégios de elite e também em áreas populares, como o Colégio Estadual Gomes Freire de Andrade, no Complexo do Alemão, trazendo à tona a convicção de que uma educação abrangente é um passo para uma sociedade mais inclusiva.

A editora do JB em Folhas visitou as escolas municipais  Pedro Ernesto e  CIEP Presidente Agostinho Neto – no Humaitá -; a Escola Municipal Camilo Castelo Branco, no Horto e a escola estadual André Maurois, na Gávea e saiu (bem) impressionada). Ela conversou com diretores e coordenadores para entender melhor as propostas e  desafios  do ensino público na região. E teve a certeza de que essa conciência da importância de valorizar (e cobrar) por um ensino público melhor é nossa. Para isso, é preciso conhecer. 

GINÁSIO EDUCACIONAL TECNOLÓGICO PEDRO ERNESTO – HUMAITÁ: Transformação e compromisso marcam a gestão do Pedro Ernesto

Localizada no Humaitá, a Pedro Ernesto tornou-se um exemplo de compromisso e inovação na rede pública, graças, muito em parte, ao trabalho e dedicação da gestora Elizabeth Pereira. Com uma trajetória de 19 anos como professora e 12 como diretora da escola, a diretora  implementou uma série de mudanças para atender melhor a comunidade estudantil. O turno único, adotado em 2018, foi um dos principais avanços, e possibilitando uma atenção mais próxima às necessidades individuais dos alunos. Beth, leva para o dia a dia o diálogo constante com os alunos. “Recentemente tivemos uma questão de ordem no banheiro e os representantes de turma tomaram para si a tarefa de conversar com os alunos e fazer uma campanha para limpeza dos banheiros.”, – explica.

As diretoras Elizabeth e Marcia; o laboratório de tecnologia e a equipe da Horta.

Com uma estrutura diferenciada, a escola do Humaitá é reconhecida pela Prefeitura como Ginásio Educacional Tecnológico (GET) e conta com um laboratório de tecnologia, equipado com computadores, tablets e até impressora 3D.  Ali, os estudantes desenvolvem projetos em conjunto com os professores para adquirir habilidades tecnológicas e resolver problemas do cotidiano. Desde criar jogos de alfabetização até pesquisar alternativas para uma alimentação mais saudável, os projetos incentivam a colaboração e o pensamento crítico. 

Outra iniciativa que chama a atenção é a parceria universidade-escola que acontece através do “A Horta Agroecológica como Tecnologia Social Educativa”, no qual os alunos participam do plantio e da colheita, sendo incentivados a investigar a relação entre o ciclo dos alimentos e a saúde, enquanto trabalham as matérias escolares na horta. Com um olhar inovador para a ecopedagogia, Yayenca, doutouranda do Cefet-RJ, desenvolve hortas como espaços de educação climática, nos quais os estudantes se conectam à natureza. É um trabalho de pesquisa que fortalece o currículo escolar, promovendo uma educação mais crítica, inclusiva e científica. Em 2024, o projeto da horta recebeu o apoio da política pública por meio do Programa Hortas Cariocas, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima, que contribui com hortas agroecológicas em comunidades e escolas municipais do Rio de Janeiro.

Atendendo mais de 260 estudantes, a escola recebe alunos da Rocinha, do Vidigal, do Santa Marta, e de bairros próximos, como Botafogo, Humaitá e Copacabana. “O perfil dos alunos vem mudando e cada vez mais a classe média vem buscando escolas públicas”, atesta Beth que, dentro da sua gestão, tem o compromisso com a inclusão e o atendimento às necessidades de alunos com deficiências e dificuldades de aprendizado. 

O respeito mútuo e o cuidado com o espaço escolar são valores trabalhados diariamente. A escola promove atividades como festas juninas e celebrações, que contam com o apoio das famílias, reforçando a relação de confiança entre a instituição e a comunidade. Para Elizabeth, o sucesso da Pedro Ernesto é resultado de uma gestão eficiente e de um corpo docente que compartilha a mesma visão de comprometimento com a educação pública. “Estamos construindo uma escola que é referência na comunidade, e nossos alunos saem daqui com uma bagagem que vai além do conteúdo tradicional. Queremos que eles sejam cidadãos conscientes e preparados para o futuro”, finaliza a gestora.

CIEP PRESIDENTE AGOSTINHO NETO – HUMAITÁ: Educação humanizada e inovadora no Humaitá

Consuelo (à frente) com as professoras, a sala de música e a equipe do projeto Girassol 

O CIEP Presidente Agostinho Neto, no Humaitá, tem 37 anos, e é um exemplo de escola pública que aposta na educação bilíngue (português e inglês) e em práticas pedagógicas humanizadas para cuidar dos 400 alunos, com idade de 4 a 11 anos.

A diretora adjunta Consuelo Santa Ritta, destaca como diferencial da escola o acolhimento e a atenção individualizada aos alunos, oferecendo uma educação que vai além dos conteúdos tradicionais, tratando cada aluno com um olhar  atento, uma característica que atrai famílias e tem aumentado a procura por vagas. Segundo ela, as crianças têm fácil acesso à equipe e são incentivadas a refletir sobre suas ações, o que promove um ambiente de respeito e colaboração.

Um dos principais diferenciais do CIEP são suas parcerias com instituições como o Instituto Dara e o Instituto Girassol, entre outros. O primeiro oferece apoio às famílias em situação de vulnerabilidade, com serviços como capacitação profissional e atendimento psicológico. Esse suporte reflete diretamente no desempenho escolar das crianças, reduzindo a vulnerabilidade social e melhorando o ambiente familiar.  Já o Instituto Girassol, há 26 anos dá suporte psicológico para alunos, professores e responsáveis, promovendo rodas de conversa e terapias individualizadas. Com uma equipe de 18 profissionais, eles pretam  atendimento diretamente na escola, o que facilita o acesso, e tem impacto positivo no aprendizado e na convivência em sala de aula. Outro parceiro importante é o grupo de capoeira Abadá, que oferece aulas gratuitas para os alunos, promovendo a interação entre pais, alunos e a comunidade. Isso reforça o vínculo e o engajamento das famílias na vida escolar.

Apesar das conquistas, o CIEP tem como desafio diário trabalhar com um número reduzido de funcionários em um espaço tão grande. “Precisamos de mais apoio humano. Seria ideal ter um porteiro, uma secretária e pessoal de manutenção. Isso faria toda a diferença”, comenta uma das diretoras adjuntas.

ESCOLA MUNICIPAL CAMILO CASTELO BRANCO – HORTO : 60 anos de história e dedicação à educação pública

A diretora Denise (à direita) e equipe, a biblioteca e a área verde no entorno da escola

A Escola Municipal Camilo Castelo Branco tem sua história marcada no Horto e divulgada pelos seus moradores, alguns ilustres, inclusive, como a cantora Fernanda Abreu. Conhecida por sua arquitetura diferenciada e cercada pela vegetação da Mata Atlântica, a escola completa 69 anos em 2024 e a gestora atual,  Denise de Mello Callil, diretora com mais de 30 anos de experiência em cargos públicos, já está pensando nas comemorações. Junto com uma equipe composta por Bianca dos Santos Souza, diretora adjunta, e Wallace, coordenador pedagógico, ela forma a “Santíssima Trindade” da gestão da escola, que trabalha com união e comprometimento para lidas com os problemas diários do ensino público. 

Com cerca de 300 alunos, a Camilo Castelo Branco atende o Ensino Fundamental II (do 6º ao 9º ano), além de uma turma de aceleração para estudantes que buscam posicionamento na sua faixa etária escolar. O modelo de ensino em turno único, implementado em 2023, permite que os alunos estudem de 7h30 às 14h30, e contem com atividades extracurriculares. Denise explica que esse formato proporciona uma educação mais integrada, com projetos que vão além do currículo básico. “Hoje, o extraclasse acontece dentro do turno, com disciplinas diversificadas, como projetos integradores e círculos de leitura”, destaca a diretora.

A Camilo Castelo Branco se destaca também por suas iniciativas que promovem o desenvolvimento social e emocional dos alunos. Entre os projetos em andamento, estão atividades voltadas para temas como cidadania, leis de proteção ao menor, e questões sociais como sexualidade, racismo e homofobia. Um dos destaques é o projeto do   “Boi da Camilo”, realizado pela primeira vez em 2024 e que integrou a programação da festa junina da escola. Denise compartilha que a ideia do boi-bumbá já estava em planejamento desde o início de sua gestão e que foi gratificante ver a participação ativa dos alunos. “A ideia é que todo ano o boi seja revivido com novos alunos, para manter a tradição”, afirma a diretora.

Além disso, a escola mantém parcerias importantes com o bloco Vagalume Verde, que oferece oficinas de percussão para os alunos, e com a equipe de educação ambiental do  Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que realiza atividades voltadas para a valorização da área verde onde a escola está inserida. Denise faz coro a outros diretores de escolas que carecem de profissionais no dia a dia. Essa limitação acaba impactando o andamento de projetos, como o Grêmio estudantil, que, apesar de existir formalmente, não tem atividades constantes. “Gostaria de poder reunir o Grêmio e os Guardiões da escola com frequência, mas infelizmente não temos braço para isso”, lamenta a diretora.

A presença de um ambiente escolar acolhedor e que incentiva o contato com a natureza, ajuda a manter os alunos engajados e comprometidos com a escola. “Eles gostam de vir para a Camilo, eles se sentem bem aqui. Temos um espaço amplo, um lugar onde eles podem respirar e aproveitar o entorno verde”, afirma Denise.

Escola Estadual André Maurois: Tradição, Inclusão e Valorização Cultural no Coração da Gávea

A Escola Estadual André Maurois se destaca como a instituição pública mais antiga do bairro, fundada em 1965. Com a diretora-geral Mônica Lemos de Matos, a escola mantém um legado de tradição e inclusão, carregando a história de sua primeira diretora, Henriette Amado, uma educadora importante durante a ditadura militar. Ao longo dos anos, a escola se adaptou para acolher uma comunidade diversa, com alunos de diferentes bairros do Rio de Janeiro, como Rocinha, Vidigal e Itanhangá.

“Nosso grande diferencial é a abrangência. Temos alunos de toda a região e a escola já foi um local frequentado pela classe alta do Rio, mas hoje recebemos, majoritariamente, estudantes das classes C e D”, destaca a diretora Mônica Lemos de Matos. Com quase 2.000 alunos e uma equipe de aproximadamente 150 profissionais, ela aponta o desafio de gerenciar a alta demanda e a falta de funcionários, especialmente inspetores e auxiliares.

A escola preserva sua história na “Sala da Memória”, criada para homenagear o servidor Nelson Justino, que acompanhou a construção do prédio e morou na escola com sua família. A sala guarda móveis e objetos dos anos 1960, resgatando a trajetória de Nelson e a própria identidade da André Maurois. O colégio ainda conta com um grêmio estudantil, responsável pela programação da rádio que funciona no pátio interno.

Além de honrar o passado, a escola investe em iniciativas para o futuro, como o Festival Ubuntu, que vai acontecer no final de novembro e celebra a cultura afro-brasileira atravésde oficinas, palestras e atividades culturais, como a Orquestra Sinfônica da Escola de Música da Rocinha, Corpo de Balé Yolanda Demetrio, oficina de miçanga e outros. 

Famosa por seu legado e seus ex-alunos ilustres, como o ator Evandro Mesquita, além de desembargadores, escritores e juízes, a Escola André Maurois continua sendo um importante espaço de educação, inclusão e valorização cultural na Gávea.

“O grande diferencial da escola é ser uma instituição tradicional no bairro, a escola pública mais antiga da região, fundada em 1965. Já foi um espaço de referência para classes sociais altas do Rio, e hoje atende majoritariamente estudantes das classes C e D, abrangendo alunos de toda a região”, conclui a diretora Mônica sobre a importância histórica e da diversidade atual da Escola André Maurois, valorizando o legado e o alcance que ela possui na comunidade.

 

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