Luis Alberto Crispun nasceu e cresceu em Copacabana. Quando chegou ao Jardim Botânico, aos 34 anos, já era o Beto Brown, ator, autor, diretor, músico, cantor, compositor e coreógrafo. Veio atraído pelo verde, pelas cachoeiras e pelo Suvaco do Cristo, num movimento natural, já que muitos de seus amigos e parceiros moravam no bairro, inclusive sua irmã, a dramaturga Denise Crispun: “O Jardim Botânico é o melhor bairro do Rio, junto com outros melhores bairros”, brinca ele, que acaba de estrear seu primeiro show solo, em Botafogo, com o qual espera percorrer toda a cidade.
– É sempre difícil dar nome a um show. “Quem é teu baby?” é o título de uma das músicas de minha autoria. Eu já queria colocar esse nome no show, aí veio a morte da Gal [Costa]. Quando me dei conta, o show ficou parecendo uma homenagem à cantora. Além dessa, o repertório inclui, em sequência, canções de Caetano (“Flor do Cerrado”), Djavan (“Romance”) e Cazuza (“Brazil”), as três coincidentemente gravadas por ela – explica o artista, que sobe ao palco sozinho para cantar e tocar violão e pandeiro.
O novo espetáculo teve origem na série de lives “Música na Janela”, uma espécie de serenata ao contrário, realizada de dentro para fora por Beto ao longo de oito meses na pandemia. A música foi companheira e acolhedora naquele período, mas Beto reconhece que o período de isolamento não foi muito difícil para ele, porque já trabalhava muito em casa: “Eu já ensaiava no play, tocava e dava aulas no meu apartamento. Meu prédio é ótimo, o telhado é lindo, com uma vista em 360º que dá para ver até o Pão de Açúcar. Poderia ter um deck e um chuveiro, valorizaria os apartamentos”, acredita ele, que entrou no meio musical como um dos puxadores do Suvaco do Cristo em 1986, quando o bloco foi criado.
– O Suvaco foi o bloco mais bonito que já teve. Há uns quatro ou cinco anos, cheguei a fazer mais uns sambas com o Mu [Chebabi] e o Jê [Jerônymo Machado], mas nenhum deles ficou na cabeça das pessoas. Todo mundo só sabe cantar os sambas dos primeiros 15 anos, porque hoje não tem mais ensaio, só o desfile mesmo – lamenta Beto, autor de “Suvaco Exaltado”, que apesar de não ter sido o samba oficial, acabou virando uma espécie de hino do bloco.
Ainda na seara musical, na década de 1990 criou, com Ivan Zigg, a banda Conga, a Mulher Gorila, com a qual voltou a se apresentar recentemente. Dez anos depois, atuou e cantou no espetáculo “Clara Nunes – Brasil Mestiço”, com direção de Gustavo Gasparani. Em 2021, fez Dobradinha, show com Izabella Bicalho.
Mas é no teatro que ele encontra sua mais perfeita tradução. O encantamento começou pelas mãos de sua mãe, que o levava para assistir peças infantis com sua irmã, a dramaturga Denise Crispun. O mergulho aconteceu na adolescência, com as aulas de Miguel Falabella e Maria Padilha no Colégio Andrews. Já o comprometimento veio em 1983 com o grupo Marxmellow e a peça “Os Banhos”, dirigida por Paulo Reis, na qual trabalhou nas funções de ator, figurinista e produtor. Daí engrenou sua carreira profissional – inclusive internacional – e não parou mais.
Beto diz que gosta de atuar, mas ama dirigir. No início da carreira, trabalhou muito com a irmã. Ele conta que foi o responsável por Denise ter enveredado pelo teatro, quando ainda moravam na casa dos pais. Ela escreveu um poema, ele gostou e sugeriu que escrevessem juntos uma história, em seguida transformada em peça: “A montagem de ‘Morangos e Lunetas’ ‘chegou chegando’. Fui indicado ao prêmio Mambembe como diretor-revelação. O Maneco Quinderé ganhou seu primeiro prêmio como iluminador e Patricia Pillar e Márcia Rubin faziam parte do elenco”, recorda-se, citando seus amigos e vizinhos no JB.
A dobradinha com a irmã seguiu com sucesso, especialmente no teatro infantil, com “Pedro e o Lobo”, “Telefone sem Fio”, “A cigarra e a formiga”… Uma de suas parcerias mais recentes com Denise foi em “O Jardim do Rei”, peça sobre a criação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro escrita especialmente para os 200 anos do parque, apresentada primeiramente ao ar livre e, depois, no Teatro Tom Jobim. O projeto foi idealizado por Juliana Martins e Eduardo Lyra, e além de Beto e Denise na ficha técnica, contava com os atores Heitor Martinez e Eduardo Andrade, todos moradores do bairro na época.
Com a irmã Denise e As Marias da Graça
Em seus trabalhos mais recentes, Beto vem investindo no teatro adulto. Dirigiu “Conversa Privada”, do grupo de humor feminino O Grelo Falante (2001); “Antes do Pôr do Sol” (2002), monólogo de Miriam Halfim com Carvalinho; “Aeroporto – Um musical clandestino” (2005), uma comédia musical. Durante a pandemia, estreou duas peças: “Macaco – relatório a uma academia”, de Franz Kafka com adaptação e direção suas; e escreveu o monólogo “O Prazer é Todo Nosso” para a atriz Juliana Martins com direção de Bel Kutner. Os espetáculos começaram on-line, foram para o teatro e ganharam o mundo literalmente, já que uma versão em espanhol de “Macaco”, com adaptação e direção de Beto, estreou em Montevidéu e participou do Festival Temporales Teatreles de Puerto Montt, no Chile, e do Festival Internacional de Teatro de Medellin, na Colômbia.
No início dos anos 1990, Beto partiu em busca de experiências internacionais. Passou por Portugal, Barcelona, Paris, Dinamarca – onde fez um mês de residência com o grupo Odin Teatret – e se instalou em Amsterdã, onde ganhou a vida tocando na rua. Um amigo em comum apresentou-o a um ator que amava Fernando Pessoa e, juntos, montaram um espetáculo baseado em “Ode Marítima”, que lá se chamou “Mar”, com direito a música homônima composta pelo diretor. Nas voltas que o mundo dá, a parceria Brown-Pessoa foi descoberta recentemente por Tatiana Dauster e Ricardo Ferrari, que decidiram incluir a música em seus novos trabalhos.
E foi na sua volta ao Rio de Janeiro que o Jardim Botânico entrou de vez na vida de Beto. Ele mora no mesmo apartamento desde 1995: “Acho incrível aqui. Tenho essa vista para a mata, a Lagoa e até um pedacinho do mar. Ainda tem a praticidade de estar pertinho do túnel, de Botafogo e da praia”, afirma ele, que gosta de descer à noite, sozinho, e ir até o Bar Rebouças ou ao La Carioca, lugares onde sempre encontra alguém. “A Maria Angélica é uma rua boa para passear”, complementa.
e em cena em “O Jardim do Rei”, no saudoso Teatro Tom Jobim.
No dia a dia, Beto resolve tudo perto: faz compras no Zona Sul, às vezes desce sua rua para comprar o almoço na Panificação Lagoa e sempre encontra tempo para ir aos teatros da Gávea e dar um “mergulho medicinal” no Arpoador. Lá ele costuma aproveitar para dar uma corridinha e malhar nos equipamentos públicos: “Não gosto de academia, normalmente malho em casa mesmo”. Para ele, o Parque Lage é lindo, assim como o Jardim Botânico, mas seu programa favorito aqui é ir à Cachoeira dos Primatas: “Sempre que vou à cachoeira agradeço por ter conseguido chegar lá. Já estou com 61 anos e uma conquista como essa é para ser reverenciada”, ironiza o multiartista, que gosta também de ir à feira.
– Atualmente, 80% do que consumo vem da Feira Orgânica, mas como as frutas orgânicas ainda são muito caras, complemento as compras na feira da Frei Leandro. A novidade é que agora, a cada 15 dias, tem apresentação de chorinho promovida pelo depósito de bebidas ali na rua. É ótimo! – avisa.
Para o diretor, é um privilégio morar num bairro acolhedor e com tanto verde. Ainda que não tenha metrô e que ocorram casos de assaltos e roubos de celular realizados por motoqueiros, ele garante que não tem do que reclamar. O principal, na sua opinião, é a conexão com tantas pessoas legais que moram no bairro e se encontram no Rebouças: “O bar é um dos segredos do bairro: todo mundo conhece, mas quando você vai lá numa segunda, terça ou quarta, tem sempre mesas vazias e gente interessante”, encerra Beto, tentando explicar o borogodó do lugar e redefinindo o que é segredo.
*Por Betina Dowsley
Artista excelente!