Renomado no Brasil e no exterior, Ernesto Neto descobriu-se artista quando vivia com a família no Jardim Botânico e inscreveu-se em um curso de escultura em barro na Escola de Artes Visuais do Parque Lage na volta de uma viagem à Bahia. Do final da década de 1980 para cá, ele largou o curso de engenharia e ganhou o mundo fazendo arte, a mesma que o trouxe de volta ao bairro, com a exposição “O beijo Vi de Só e Té e Água e Fô e outras tecelã”, em cartaz até 23 de outubro na galeria Carpintaria.
Ernesto passou a infância e início da adolescência na Lagoa. Aos 18 anos mudou-se com a família para a rua Zara, onde ficou até os 23 anos. O novo endereço era próximo do trabalho da mãe, que tinha um escritório de paisagismo na esquina da rua Caminhoá, na mesma casa em que seu irmão, Dado Sabóia, abriu o restaurante Dom João (2001 a 2003) e, mais recentemente, o Borogodó. Depois da EAV, Ernesto estudou na escola do MAM: “Era maravilhosa, foi uma pena ela ter acabado. Agora o Fábio [Swarcwald, atual Diretor Executivo do Museu de Arte Moderna e ex-diretor da EAV] e a Keyna [Eleison, uma das diretoras artísticas da instituição] estão promovendo uma renovação muito importante”.
Depois de um breve período em Ipanema, Ernesto mudou-se para o centro, em busca de um contato maior com um outro lado da cidade. Lá ele se casou e nasceu seu primeiro filho, Lito. Talvez por isso, aposte no renascimento da região, aproveitando o estado de esvaziamento atual para incentivar sua ocupação, abrindo prédios fechados para quem está na rua e dando espaço também para artistas jovens, que têm dificuldade de se manter e viver de arte.
– O Centro tem uma conexão maior com a Zona Norte, uma área onde é possível estabelecer uma simbiose com uma realidade menos protegida e maquiada, como vemos na Zona Sul – avalia ele, que atualmente mora no Leme, mas segue indo à região todos os dias para trabalhar em seu ateliê e acompanhar as atividades da galeria Gentil Carioca, da qual é sócio desde sua criação, há 18 anos.
O fazer artístico, assim como sua própria vida, não tem fronteiras. Da escultura, pulou para instalações e cenografia, criando redes de lycra, algodão e crochê, que passou a chamar de “colônias”. O cálculo e a matemática são seus grandes aliados, embasando, ainda que intuitivamente, a utilização de suportes diversos, com diferentes graus de resistência, e incorporando elementos sonoros de forte influência indígena e africana. Está pronto o caldeirão de Ernesto, sempre em ponto de ebulição.
A projeção internacional começou nos anos 2000. Ernesto atribui parte do sucesso de suas instalações no exterior à criatividade popular: “Aprendi muito observando os camelôs. Eles são verdadeiros mestres na arte de dobrar, montar e desmontar. Isso ajudou muito na exportação de meus trabalhos, que se tornaram mais leves e fáceis de transportar”, reconhece o artista. Graças a isso ou não, Ernesto Neto participou de diversas mostras e exposições nacionais e internacionais, entre elas a Arco, Feira Internacional de Arte Contemporânea de Madrid (2000); a Bienal de Veneza (2001); e Art Basel, na Suíça (2008). Atualmente, além da Carpintaria, o artista está com exposições individuais também no The Museum of Fine Arts, Houston (EUA), e no GAMeC, em Bergamo (Itália), e possui obras nas coleções permanentes do Centre Georges Pompidou (Paris), Guggenheim e MoMA (Nova York), Museu Reina Sofia (Madri) e Tate Gallery (Londres), entre outras instituições.
Outras fontes de saber valorizadas por Ernesto são a Mãe de Santo Celina de Xangô e o povo Huni Kuin, com o qual passou a se relacionar a partir de 2013. O contato com a cultura dos povos originários teve início com os livros do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, mas considera seu primeiro encontro com os Huni Kuin “uma coisa transformadora”. Hoje, Ernesto é membro de um grupo que recebe os indígenas quando veem ao Rio de Janeiro. Já a influência africana é mais antiga e sempre se fez presente no dia a dia, com o samba, a oralidade, a sabedoria do tambor ou em cerimônias e rituais.
– Martinho da Vila e Paulinho da Viola são grandes mestres. A saída para o Brasil está nas sabedorias dos pajés e babalorixás. O que está nos levando para o buraco, em termos sociais e ecológicos, é a sabedoria europeia. Estamos vendo uma enorme devastação da Amazônia, às vésperas do julgamento do Marco Temporal, é um golpe na Constituição, um ato suicida. Vivemos um momento dramático e, ao mesmo tempo, de grande oportunidade – acredita ele, lembrando a chegada de forças indígenas e africanas na política e na cultura não só aqui, mas no mundo todo, impulsionadas pela mudança no eixo espiritual da Terra e pela Era de Aquário.
Na opinião de Ernesto, amor, coletividade e educação são palavras-chave neste momento que vivemos. Para ele, é preciso renovar a educação, incentivar professores, aumentar subsídios, trazer para perto as pessoas menos favorecidas, assim como as culturas indígena e africana. Um bom começo é o livro de 1905, reeditado em 2018 pela Dantes, “Mbaé Kaá, o que tem na mata. A Botânica Nomenclatura Indígena”, de João Barbosa Rodrigues, que, devido a sua importância, contou com o apoio do Jardim Botânico do Rio de Janeiro: “É uma preciosidade!”.
*Por Betina Dowsley
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