27 de março de 2025
DE OLHO NO TURISMO GASTRONÔMICO

Texto: Simone Intrator  | Fotos: Chris Martins (home)

De um casarão cravado na Rua Visconde de Carandaí, no Jardim Botânico, onde moram uma jabuticabeira, um pé de pitanga, um de romã e outro de carambola, saem as ideias mais revolucionárias e promissoras sobre a gastronomia do estado do Rio. É lá que funciona desde 11 de junho de 2024 o Instituto Bazzar, sob a batuta de Cristiana Beltrão, restauratrice dona da rede Bazzar, encerrada em 2022. O Instituto surgiu com um objetivo: atrair para a Cidade Maravilhosa um terço dos turistas do mundo todo que viajam em busca da boa gastronomia (chamado de turista food), que movimenta por ano 805 bilhões de dólares.

Para abocanhar o turista do garfo e faca (e taças) há um longo trabalho a se fazer.

“Duas coisas movem um viajante para sair do seu país e viajar dez horas de avião para provar novos sabores. A primeira é a identidade da comida, ter uma gastronomia muito bem percebida, e isso se faz com ingredientes nativos ou ´únicos´, com pratos, métodos de preparo, tradições e costumes que moldaram, historicamente, a identidade do local estudado. A segunda é a sustentabilidade: trazer os ingredientes de perto para ter menos pegada de carbono, ser orgânico, aproveitar o alimento de cabo a rabo, mirar em lixo zero e por aí vai”,  explica Cris Beltrão.

Cristina conta a história do Instituto para a repórter Simone Intrator.      (Foto: Chris Martins)

A empreendedora vem se mirando no exemplo de Londres, cidade que sempre foi associada ao “fish & chips” e preterida como destino turístico por causa de sua pobre gastronomia. Graças a um investimento do governo inglês – por meio do incentivo de cardápios que indicassem a procedência dos produtos britânicos, produzindo feiras de comida em praças públicas e desonerando programas de TV que ressaltassem a gastronomia inglesa – a cidade tornou-se a terceira capital do mundo com mais estrelas Michelin.

A ideia inicial era organizar um guia dos restaurantes cariocas sustentáveis e com identidade. Mas, iniciado o trabalho, Cristiana percebeu que também precisaria descobrir e divulgar os produtores locais e foi atrás de pescadores artesanais, em Araruama, dos queijos de Valença, do café do noroeste fluminense, da charcutaria de Nova Friburgo, entre outros.  E tem mais:  junto com sua  equipe, ela entendeu que teriam que fazer advocacy da causa para facilitar incentivos. Hoje, eles batem pernas atrás de empresários, chefs, representantes do governo e dos produtores para formar uma rede, construir políticas públicas, derrubar muros e construir pontes.

Com uma equipe fixa de 11 pessoas, além dos contratados sob demanda, o Instituto tem o trabalho de divulgar quem está com a mão na massa, pescando, cultivando, ordenhando, por meio de vídeos que contam as histórias de cada produtor e dão base para a criação de políticas públicas. E ainda conta com um time que tem como pesquisador-chefe o jornalista especializado em gastronomia Pedro Mello e Souza para amparar o trabalho de identidade, ao mapear toda a gastronomia do RJ desde o primeiro registro por escrito.

“O que nos traduz é o ingrediente. O Rio de Janeiro é uma cidade que nasceu cosmopolita, recebeu muitos imigrantes e  tem uma comida misturada. Precisamos achar sua identidade. E ela está no ingrediente. Não tem sentido creditarmos tudo ao salmão quando temos 204 espécies de peixes nativas. Precisamos levar à mesa o que é nosso”, conta Cris, que há mais de 20 anos, quando ainda tinha a rede de restaurantes Bazzar, ao identificar a necessidade de valorizar o local e ressaltar a procedência, pôs a ideia em prática e mudou todo o cardápio.

Os produtores Chico Pescador  (Foto: Maria Clara Mangi) e Fabrício Vieira (Foto: Barbara Yumi)

O guia com a lista de restaurantes está sendo produzido e a meta é criar um selo para legitimar esses locais. Mais de 50 estabelecimentos foram mapeados e seis já foram chancelados pela equipe do Instituto. São eles: o Trégua, em Laranjeiras; Lilía (Centro), Ocyá (Leblon e Ilha dos Pescadores), Umai Sushi (Copacabana) e o Org Bistrô (Barra da Tijuca). O Sud, o pássaro verde de Roberta Sudbrak é o único representante da região. 

– A nossa primeira avaliação é a do sabor da comida. Depois partimos para a pesquisa de identidade e da sustentabilidade. Usamos a sede do Instituto para promover encontros com chefs e fornecedores, apresentar os ingredientes, promover reuniões com pessoas do governo. Com isso, vamos criando o burburinho e tecendo a rede”, explica ela. Para fazer parte do nosso ecossistema, o restaurante precisa responder um questionário. A partir daí, começarão a receber nossa newsletter e nossa equipe irá atrás das comprovações. – explica a diretora do Instituto.

E o fato de a casa do Instituto estar em pleno Jardim Botânico, vizinho do parque, ajuda a reafirmar, todos os dias, o propósito do trabalho.


O Instituto promove encontros com produtores (Foto: Barbara Yumi)

– O JB tem a cara da sustentabilidade. O parque surgiu como um jardim de aclimatação, tem várias espécies frutíferas, é um símbolo. A rua (Visconde de Carandaí) tem casas com projeção gastronômica. E o nosso espaço tem uma história: foi alugada da família de um vendedor de frutas do Mercado Municipal ( CADEG) , que plantou todas as árvores do nosso jardim. É um simbolismo lindo da nossa trajetória”, revela  Cris.

 

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