Alguns garçons são a cara do bar, mas Eronildes Lacerda é o melhor representante do espírito do que foi – e sempre será – o Baixo Gávea, como ficou consagrado o entorno do Bar Hipódromo, onde ele trabalhou por 34 anos. O anúncio do fechamento do tradicional e querido estabelecimento esta semana espalhou uma onda de tristeza e saudosismo nas redes sociais. Não houve tempo para homenagens, muito menos para uma saideira. O que não para desde então é o telefone do Lacerda, com os amigos-clientes querendo saber dele e de seu futuro.
O paraibano chegou ao Rio de Janeiro em 1972 e seu primeiro emprego foi numa churrascaria. Entrou como copeiro, saiu garçom. Em 1986, Lacerda começou a trabalhar no Hipódromo e sua simpatia e atenção foram fundamentais para a consagração do bar na boemia carioca. Como até 2005 o lugar não tinha hora certa para fechar, funcionando até o último cliente, era muito frequentado por artistas, jornalistas e intelectuais. Ao longo dos anos, sempre que surgia uma oportunidade, essa turma escalava Lacerda para entrevistas, comerciais de marcas de cerveja e até clipes de música, como “Garçom”, sucesso de Reginaldo Rossi.
A fama nunca mudou a maneira de Lacerda atender seus clientes. Para ele, todo mundo é famoso e merece o mesmo carinho e atenção. Não à toa, suas mesas sempre foram as mais concorridas do bar, não importando o dia da semana.
– Houve um tempo que era uma loucura, recebíamos grupos com mesas fixas todos os dias, principalmente da PUC, tanto de alunos como de professores. Teve a época da “Segunda-feira sem lei” e das quintas-feiras lotadas. A frequência caiu mesmo a partir de 2012 – lembra Lacerda, que sabe o nome de seus clientes mais assíduos, de 18 a 70 anos.
Como conhece muitos dos frequentadores desde o tempo que precisavam de cadeirinha alta para comer, Lacerda costumava receber ligações de pais à procura de seus filhos ou de namorados querendo confirmar se o/a cara-metade estava por lá, sem falar nas inúmeras vezes que fazia companhia para alguém, em pé ao lado da mesa, enquanto sua turma não chegava. A discrição sempre ditou as regras nessas horas e, por isso mesmo, os clientes sabiam que podiam contar com ele. Por tudo isso, Lacerda foi homenageado inúmeras vezes pelos fregueses: recebeu presentes, bolo de aniversário pelos anos de casa e até placa de “Melhor garçom”, cuja entrega foi imortalizada numa foto que por anos ficou pendurada na parede do Hipódromo.
Com 68 anos, Lacerda já se aposentou pelo INSS e pensava em parar de trabalhar no final deste ano. Por enquanto, ele não tem nenhuma proposta concreta de trabalho. Certo mesmo é sentar à mesa com seus clientes favoritos e brindar as amizades que conquistou do outro lado do balcão assim que as confraternizações forem possíveis.
*Por Betina Dowsley
**Fotos: André Arruda no livro “100 coisas que cem pessoas não vivem sem” e do acervo de clientes e amigos do Lacerda.
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