Uma historiadora que anda pelas ruas do Jardim Botânico e do Horto de olho na memória da região. Luciene Carris gosta de fazer estes registros e foi por conta da história da sua família, que ela acabou escrevendo, em 2021, “Histórias do Jardim Botânico – Um recanto proletário na zona sul carioca (1884-1962)”. O livro deu origem a este resgate histórico da região e ela gostou do resultado e seguiu por outras mídias. Criou o podcast Sarau da Casa Azul e depois o canal do YouTube Entreconexões. Agora, Luciene foi para o Instagram e apresenta quinzenalmente, em parceria com o jovem videomaker Lucas Mendes, “Um Jardim de Histórias”, onde revela as origens de alguns lugares da região.
– Esse projeto surgiu dessa minha curiosidade de conhecer melhor a história de alguns lugares aqui do Horto e do Jardim Botânico, mas a ideia é que o projeto siga por outros bairros da cidade. Tem muita história para contar por aí e precisamos, cada vez mais, preservar a memória das ruas. – explica Luciene.
Luciene define a pauta e segue atrás de uma pesquisa aprofundada e de fontes bibliográficas que sustentam as narrativas. Depois, junto com Lucas, é feito o roteiro e a escolha das locações. Pelo “Jardim de Histórias”, já passaram o e recentemente, o Clube Caxinguelê, o Bar do Lili, o Horto Natureza e, recentemente, o conjunto habitacional Dona Castorina, também conhecido como “Balança”, todos no Horto. Outra figura importante já foi lembrada: Haroldo Lobo, grande, autor de “Mamãe eu quero” e “Alalaô”. Embora o carnavalesco tenha nascido na Alberto Ribeiro, trabalhado na fábrica de tecidos Carioca e vivido aqui até morrer, na rua Faro, não há nenhuma referência do artista na região.
Lucas e Luciene, a dupla do projeto “Um Jardim de Histórias”
– Apagaram a figura do Haroldo aqui no bairro onde morou a vida toda. Além disso, ele foi um grande incentivador do carnaval na área e criou o Bloco da Bicharada. É um absurdo não ter nenhuma homenagem a ele na região, nem nome de rua. Por muito menos, tem gente que ganha nome e até estátua”, constata.
Com oito vídeos já publicados, o “Jardim em Histórias” segue firme, com planos de expansão para além do bairro. Luciene também se prepara para o lançamento de um livro em 2025, abordando o impacto do Golpe de 1964, com direito a um capítulo que aborda as vivências da época no Horto. Ela lembra quando gravou sobre o projeto Horto Natureza, e acabou descobrindo que, nos anos 60, o Horto Florestal foi ameaçado por dois projetos polêmicos: a proposta do Cemitério-Parque Santa Catarina de Siena – que transformaria a região em um cemitério, durante o governo Lacerda – e a construção de um enorme conjunto habitacional de 140 mil metros quadrados, com 32 prédios de cinco andares no coração da área verde. Na época, uma grande mobilização reunindo moradores e personalidades, como Carlos Drummond de Andrade, Burle Marx e a botânica Elsie Guimarães, foi fundamental para evitar a implementação do projeto.
Luciene veio morar no Jardim Botânico aos 4 anos, quando seu pai foi contratado como zelador de um prédio no bairro. Quando pequena ela costumava ver os artistas circulando pela região, antes da TV Globo mudar o seu núcleo de novelas para a Zona Oeste. A história da família, de imigrantes italianos, inspirou o livro “Histórias do Jardim Botânico – Um recanto proletário na zona sul carioca (1884-1962)”, que acabou revelando a memória do bairro do Horto. O “pequeno subúrbio” reunia famílias de diferentes cantos do mundo ao redor das fábricas e, ao longo do tempo, aconteceram também conflitos operários no bucólico bairro cercado de vegetação. A história por trás dos nomes das ruas e monumentos e outras curiosidades também fazem parte da obra. Mas antes do livro, veio o documentário, “Recanto”, produzido em 2019, a partir das suas pesquisas, em que explora a polêmica questão fundiária do Horto através de depoimentos dos moradores. O filme está disponível no canal Entreconexões.
O documentário “Recanto” foca na questão fundiária do Horto.
Para a historiadora “Um Jardim de Histórias”, pretende não apenas resgatar histórias esquecidas ou apagadas, mas também inspirar um olhar mais crítico e sensível sobre a transformação urbana e seus impactos na comunidade. Ela acredita que o projeto também pode inspirar outras comunidades a investigar e compartilhar suas próprias histórias, fortalecendo laços identitários e culturais.
– A memória é uma constituição social, e, se não cuidarmos dela, acabamos por perder pedaços importantes do nosso passado. Esse projeto fomenta pertencimento e orgulho em quem vive ou frequenta o Jardim Botânico e seus arredores. – conclui.
0 comentários