Esporte é vida para Isabel Salgado. Às vésperas dos Jogos Olímpicos do Japão, porém, a ex-atleta do vôlei brasileiro não está empolgada com a realização dos mesmos. Para ela, a pandemia, agravada no Brasil por um governo desumano, inibe qualquer possibilidade de festa ou comemoração.
– Medalha não é tudo, e esporte não é feito só de vitórias. É preciso olhar para o outro, para o país, para o mundo… Algumas coisas são inegociáveis – afirma Isabel, em apoio à postura da filha Carol Solberg, também jogadora de vôlei de praia, que foi punida e depois absolvida pelo Supremo Tribunal de Justiça Desportiva por ter se manifestado politicamente na comemoração da conquista do terceiro lugar de um torneio importante do Circuito Mundial em 2020.
O que mais enche de orgulho a ícone do voleibol na década de 1980 e campeã mundial nas areias em 1994 é ver que os filhos são pessoas justas e generosas. Ela fica feliz de reconhecer que a atitude da filha foi, acima de tudo, coerente. Estranho seria se a filha se calasse, o que, em sua opinião, teria sido melhor para Fernanda Venturini, também jogadora de vôlei, que gravou um vídeo dizendo ser contra a vacina e que só a tomaria porque quer viajar o mundo. A declaração foi apagada das redes sociais, mas demonstra uma maneira de pensar bem diferente da de Isabel: “A Fernanda foi muito infeliz e perdeu a oportunidade de ficar quieta. Diferenças políticas podem existir, mas, no momento, a questão é humana, e esse tipo de pensamento é inaceitável”, assegura Isabel, que vai torcer muito por Bruninho, da equipe masculina de vôlei e filho de sua amiga Vera Mossa.
Isabel foi criada em Ipanema e morou no Jardim Botânico na juventude. A volta ao bairro aconteceu há quase um ano, em plena pandemia, depois de 32 anos no mesmo endereço. A mudança foi de ordem prática, sua casa da Gávea é grande e demanda muito trabalho, por isso decidiu alugá-la. Além disso, seus netos e uma de suas irmãs moram no JB. O atual apartamento é num prédio pequeno, vizinho da mata, seu único defeito é a cozinha pequena. A ideia, a princípio, era passar um ano, mas ela já pensa em ficar mais um ou – quem sabe – para sempre.
– No início da pandemia, foi bom estar em minha casa, com meu filho Alison, que depois foi morar com a namorada. Gosto de ver da janela os telhados das casas e dos prédios da região e de ter a pracinha [Pio XI] ao lado – observa a ex-jogadora, cuja primeira visita que recebeu no novo endereço foi a de um macaco-prego, flagrado de manhã cedo, em cima de sua geladeira.
Sem trabalhar neste período de isolamento, a rotina de Isabel ficou bagunçada. Um lugar que sempre fez parte de seu dia a dia quando estava no Rio de Janeiro é a praia de Ipanema. Durante a semana, ela costumava ir de bike até lá para caminhar de manhã, bem cedinho. Como a praia foi proibida, passou a ir ao Parque da Cidade, vizinho à sua casa, para se exercitar. A redução de exercícios e a corrida em piso duro acabaram provocando uma lesão séria no joelho, que já era operado. O resultado foi a inclusão de um único compromisso em sua agenda: a fisioterapia na sede do Comitê Olímpico Brasileiro, três vezes por semana.
Dois tempos de Isabel: como atleta, em 1982, e na fase treinadora, em 2016.
A opção de não trabalhar foi para se proteger ao máximo, mas isso não quer dizer que Isabel tem passado a pandemia sem produzir nada. Um projeto ligado à sustentabilidade – previsto para o final do ano passado – ainda aguarda o melhor momento para ser iniciado. Este mês, Isabel começa um trabalho com as meninas do Degase (Centro de Socioeducação Dom Bosco), na Ilha do Governador. O projeto, ainda sem nome, foi idealizado antes da denúncia de abuso sexual na instituição e, mais do que nunca, motiva a treinadora: “Estou tentando viabilizar só pela vontade de ajudar mesmo. A ideia é ensinar voleibol para 20 meninas internas. É pouco, mas, por enquanto, só consegui as bolas. Vou começar assim mesmo, nem tênis elas têm”, explica ela, que conheceu o Degase por intermédio de um amigo que fazia um trabalho voluntário lá quando Isabel estava grávida de Pedro, seu terceiro filho, hoje com 35 anos.
– O esporte é como uma brincadeira, bom para gastar as energias e te tirar um pouco da realidade. Essas meninas precisam muito disso – atesta.
Essa preocupação com o próximo faz parte da vida de Isabel também aqui no bairro. Em suas poucas saídas, o que a está assustando é gente com fome nas ruas do JB. Ela sabe que isso não é exclusividade do bairro, mas não consegue se manter indiferente.
– Outro dia tinha um garoto vendendo paçoca na porta da padaria, quando saí, vi que tinha um policial falando asperamente com ele. Me aproximei e perguntei “tá acontecendo algum problema aqui? A gente se conhece de longa data” – mentiu, com o objetivo de proteger o menino, que acabou virando seu amigo.
A padaria que Isabel frequenta é a Grano & Farina, na rua Jardim Botânico, onde não resiste ao croissant e aos pãezinhos. Ela também gosta de feira e conhece todas daqui: “Eu gosto de andar pelo bairro e reconhecer caras de gente que não vejo há tempos ou mesmo de quem não conheço formalmente. O JB tem uma coisa de bairro que a Gávea, mais sóbria, não tem”, observa ela, que costumava caminhar à noite pela rua Benjamin Batista, mas não tem feito isso ultimamente. Quando o joelho permitir, Isabel pretende explorar mais o Parque Lage e revisitar lembranças dos tempos em que morou ali em frente:
– O parque foi muito importante na minha juventude, rolava muita coisa boa: festas, teatro, música… Lembro de um show do Nelson Cavaquinho, que foi muito marcante para mim. Espero que toda aquela efervescência volte um dia.
*Por Betina Dowsley
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