Quem diria que em meio à vizinhança elitizada de um dos bairros com IPTU mais caro do Rio de Janeiro encontra-se um quilombo com 6 mil m2 de mata, que abriga cinco casas e nove famílias? O terreno ao lado do número 250 da rua Sacopã começou a ser ocupado por escravos fugidos de Macaé e Friburgo no fim do século XIX. Se você ainda não conhece, no próximo sábado, dia 14/1, a partir das 14h, pode ser um bom dia para visitar o espaço, comer a tradicional feijoada e ainda apreciar o samba de roda local. O ingresso custa R$15.
Após a remoção de comunidades inteiras do entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas nos anos 1960, permaneceram no local apenas os descendentes do casal Manoel Pinto Júnior e Eva Manoela Cruz, que lá chegaram em 1929. Com 78 anos, José Luiz Pinto é filho deles e patriarca da sexta geração da família. Sua batalha para legalizar o terreno começou em 1970, quando iniciou um processo de usucapião, vencido em primeira instância, em 2002, mas perdido na segunda pouco tempo depois sem que, até hoje, alguém tenha aparecido com RGI (documento que comprova a propriedade de um imóvel) do terreno.
– São décadas de luta. Em 2005, conseguimos a certificação da Fundação Palmares como Quilombo Sacopã. Já o título de reconhecimento de domínio sobre as terras pelo Governo Federal foi obtido em 2014 – conta o músico e líder do Quilombo Sacopã, que vem resistindo à especulação imobiliária da região.
Samba e quilombo sempre andaram juntos, e na Fonte da Saudade isso não é diferente. Bem antes de ser reconhecido como quilombo e área de especial interesse cultural, o local ficou conhecido por suas rodas de samba acompanhadas de feijoada preparada no forno à lenha de sua cozinha comunitária. O espaço foi idealizado por Dona Eva para preparar marmitas para os operários que trabalhavam na abertura de ruas no entorno da Lagoa. O ofício foi passado para sua filha Maria Laudelina, a Tia Neném. Atualmente, a cozinha está sob o comando de Tina, apelido de Albertina, esposa de Luiz.
O talento de Tia Neném para a música e a culinária atraiu músicos e artistas, como a atriz Regina Casé e os cantores e compositores Almir Guineto, Beth Carvalho, Noca da Portela, Alcione e Tim Maia (que morou na área) para os eventos “Só na Lenha” nos anos 1980. O grande fluxo de pessoas (e carros) na área residencial gerou conflito e acabou provocando a redução das manifestações culturais. Até fevereiro, as feijoadas estavam acontecendo apenas no segundo sábado de cada mês, sempre com convidados especiais.
– Esses eventos são importantes para dar visibilidade às nossas cultura e história, além de despertar orgulho nos mais jovens – atesta Luiz Sacopã (foto), que conta com o apoio de seus dois filhos Márcio Antônio e Luiz Martins.
Além da feijoada, Luiz costumava fazer palestras para grupos de alunos de três ou quatro escolas por semana. Sem a realização desses eventos durante a pandemia, a receita do Quilombo Sacopã foi a zero. Mas não foi só o setor financeiro da família Pinto que foi afetado pela pandemia. Um dos netos de Luiz, de 25 anos, morreu em decorrência da COVID-19. O caso veio a público quando Márcio, pai do jovem Hugo, viu um senhor derrubar algumas das 100 cruzes fincadas na areia de Copacabana, numa manifestação da ONG Rio de Paz em homenagem aos mais de 40 mil mortos pela doença, em junho. A repercussão do caso levou o filho de Luiz a programas de TV e acabou favorecendo a realização de testes de coronavírus entre os moradores do Quilombo e uma parceria com a Comlurb, que promove higienização do espaço semanalmente.
Quem tiver interesse em conhecer o Quilombo Sacopã e suas histórias, pode agendar visita ou palestra – quando a pandemia passar, claro! Enquanto isso, pode assistir aqui ao documentário “Quilombo Sacopã”.
Quilombo Sacopã:
Rua Sacopã 250 | Telefone: 2537-3960
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