O iluminador Rogério Emerson (foto Chris Martins) é uma das figuras mais conhecidas no entorno do Parque Lage. Criado na rua Abade Ramos nos anos 1970, Rogério estudou no Colégio Souza Leão e no Tablado, é um dos fundadores do bloco Suvaco do Cristo, mas sua verdadeira escola foi o Parque Lage, onde começou sua carreira, há cerca de 40 anos, e, desde 2008, é professor do curso “Luz e Cena”. Antes mesmo do trabalho, o lugar já fazia parte de sua vida. Foi caminho – ou corta-caminho – para a escola, playground, além de palco e pano de fundo para acontecimentos memoráveis de sua vida.
– Naquele tempo [referindo-se à infância e início da adolescência], havia mais liberdade, a gente podia subir em árvores e arrumar um cantinho pra beijar longe dos olhares da turma. Tinha um pessoal que costumava mergulhar no Lago dos Patos. A água que vinha de lá de cima era limpa e abastecia a Escola [de Artes Visuais] – recorda ele, que várias vezes penetrou no palacete por uma janela de serviço para assistir aos shows de Sá & Guarabira e de alguns dos Novos Baianos.
O fascínio pelo teatro surgiu com O Tablado, que começou a frequentar ainda criança, para assistir aos espetáculos. “Lembro bem da peça “O Embarque de Noé”, que vi inúmeras vezes. A partir da quarta ou quinta vez, a Maria Clara [Machado] passou a me deixar entrar sem pagar. Tinha muita curiosidade de ver como eles faziam chover”. Mais tarde, foi Carlos Wilson Damião – que além de inspetor gente boa do Souza Leão, era também professor do Tablado – quem convidou Rogerinho, como é chamado pelos amigos, para descobrir e aprender os segredos teatrais.
Em 1982, juntou-se ao “Pessoal do Despertar”, que ensaiava no Parque Lage. Para a peça “A Tempestade”, encenada no pátio interno do palacete, o grupo de teatro amador precisou limpar a piscina: “Tiramos de lá de dentro um mundo de coisas, carrinho de bebê, cadeira, óculos…”. Rogerinho lembra que a piscina foi incluída no espetáculo depois de uma brincadeira que levou o técnico de luz Roberto Santos – seguido por ele – a mergulhar do terraço para pegar uma ferramenta jogada de propósito na piscina. A ideia agradou e foi incorporada à peça, marcando a entrada em cena do personagem Caliban, interpretado por Eduardo Lago.
Depois de “A Tempestade”, veio não a bonança, mas muito trabalho. Rogério se profissionalizou como iluminador cênico e abriu novos horizontes trabalhando em shows, cinema, eventos e exposições. Nos anos 1980, embarcou com Maria Juçá e companhia no “Circo Voador”, no Arpoador e na Lapa. Com ela, voltou ao Parque Lage para shows de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Paulo Moura e as bandas de rock nacionais que começavam a despontar. Em seguida, a amiga e vizinha Sylvia Gardenberg, da Dueto Produções, chamou-o para trabalhar em eventos internacionais, como o Free Jazz Festival e o Carlton Dance, abrindo portas para atrações do porte de Madonna e Rolling Stones.
Nessa época, Rogerinho, Sylvia, João Avelleira e Jards Macalé, entre outros, moravam na rua Maria Angélica e fundaram o bloco Suvaco do Cristo. “Nunca fiz samba, mas fui jurado na época dos ensaios no Clube Condomínio. A única vez que não saí no Suvaco foi em 1987, quando o último show da turnê “Francisco”, do Chico Buarque, coincidiu com a data do desfile, e o horário ficava muito apertado para conciliar”, lembra ele, que desde então é responsável pela iluminação dos shows do cantor e compositor. A expectativa para o Carnaval de 2022 está em alta, com todo mundo completamente vacinado: “Essa volta vai ser maravilhosa, já estamos definindo a arte da camiseta para o desfile do ano que vem. A cidade vai bombar”, completa, animado.
Na TV, sua primeira experiência foi no Globo de Ouro, atração musical que era gravada no antigo Teatro Fênix, na rua Lineu de Paula Machado. Ainda fez séries e programas na Globo, além do “Observatório da Imprensa”, na TVE. Atualmente, seu trabalho está no ar em “Conversa Piada” (TV Cultura), novo programa de quatro ex-integrantes do Casseta & Planeta, cujos nos primeiros shows – “Preto com Buraco no Meio” e “Eu Vou Tirar Você Desse Lugar” – foram iluminados por Rogério.
Atualmente, o designer de luz tem preferido trabalhar com artes plásticas. Seu mais recente trabalho foi a iluminação da Bienal da Escola de Belas Artes, da UFRJ, recém-inaugurada nas Cavalariças do Parque Lage, mesmo local que acolheu a mostra “Campo” (2019), com obras de Beatriz Milhazes e Ernesto Neto, entre outros, que também teve o desenho de luz assinado por ele. As portas para esse mundo foram abertas por uma amiga que trabalhava no Museu Nacional, em 2000. Ele conta que, às vezes, os artistas têm uma coisa em mente, que nem sempre são possíveis em função da realidade dos espaços. Aí entra em cena a criatividade do iluminador, sugerindo focos, mostrando as sombras e efeitos possíveis.
– Certa vez uma artista tinha feito uma coluna grande e queria um foco bem em cima. Como o pé direito era baixo, sugeri projetar a sombra do objeto na parede branca. A artista não só aceitou, como mudou o nome da obra na hora. Nem todo mundo gosta de sugestões. Houve um caso em que eu tive que voltar depois da inauguração para mudar a iluminação para minha proposta, inicialmente descartada – atesta.
Essa experiência é valiosa e abriu novas possibilidades de trabalho durante a pandemia, quando Rogério Emerson passou a ser chamado para trabalhos em parceria com arquitetos, fazendo projetos de iluminação para casas de pessoas e eventos, como o “Casa de Quem Cria”, que aconteceu em junho no Atelier Fernando Jaeger, no Jardim Botânico. Na mostra, ele ficou responsável pela iluminação do “Circulador de Arte”, de Tania Chueke e Sonia Salcedo.
Nas ruas da região, sua iluminação tirou da sombra a área externa do Museu do Meio Ambiente, a sede náutica do Vasco da Gama, na época da festa Afronautas, e até a igreja de São José, ainda nos anos 1980, a convite de Jorginho de Carvalho, a quem chama de “mestre”. Na lista de lugares que gostaria de iluminar estão a praça em frente à igreja de Santa Margarida Maria, na Fonte da Saudade, e um seminário no alto da rua Icatu.
– Há muitos lugares que merecem sair da sombra, sejam casas de pessoas, sejam praças públicas, como a gente vê muito em Paris. A praça Pio XI, por exemplo, poderia ter a copa das árvores, iluminadas de baixo pra cima. Não é um projeto caro, mas há o risco de o material ser roubado – reflete ele, que está participando do projeto de revitalização da Casa Gaia, vizinha à Casa Roberto Marinho, no Cosme Velho, que deve ser aberta à visitação a partir do final de 2022.
Ao longo de sua vida, além do JB, Rogério morou no Leblon, em Ipanema e, desde 2003, está no Humaitá. Hoje, quando tem vontade de sair, acaba muitas vezes perto de casa, na Cobal, onde conhece o dono do Pizza Park e frequenta a Antiga Mercearia: “Gosto muito do Fusca Bar, mas ficou cheio demais”. Como trabalho, amigos e a casa da mãe seguiram no JB, ele acompanhou de perto as transformações do bairro. Não tem mais pelada na rua; a farmácia [Cristal] não é mais da Dona Maria; a antiga mercearia virou Bibi Sucos; e o Bar dos Contentes, o hortifrúti Rede Varejão. Até o Bar Joia mudou, Seu Cristóvão (antigo dono) não está mais no balcão, e Rogerinho já não “rouba” mais balas da vitrine ou dá o telefone de lá para recados. Ainda assim, ele considera os bairros onde viveu – e ainda vive – “apenas como dormitórios”:
– O Jardim Botânico perdeu um pouco o clima de bairro. Tem muito mais gente, escritórios e lojas, mas minha história é com o JB! – garante.
*Por Betina Dowsley
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