16 de novembro de 2023
UM MUSEU A CÉU ABERTO NO HORTO

Foto: Pulsar Imagens

Nesta segunda-feira (20/11), é celebrado o Dia da Consciência Negra, considerado feriado em seis estados brasileiros, incluindo o Rio de Janeiro. A escolha remete ao dia em que Zumbi dos Palmares, um quilombola revolucionário brasileiro, foi capturado e morto. A data é vista como um momento de relembrar as lutas do povo negro que, até hoje, é oprimido no Brasil e no mundo. Manter viva a memória de um grupo é essencial, seja através de livros, fotos, artefatos ou até pelo ato de contar histórias. E é justamente na fusão destas lembranças que o Museu do Horto existe. Fundado em 2010, a instituição tem como objetivo apresentar o Horto Florestal às pessoas através da ótica dos moradores, funcionando como um museu de percurso, ou seja, tem como parte do acervo o próprio território. O modelo “itinerante” é atual, mas a organização já teve um ponto fixo na região. 

– O começo de tudo foi no antigo clube Caxinguelê e chegamos a realizar diversas atividades com as crianças da comunidade por lá. Em 2013, aconteceu a reintegração de posse do espaço. Então, optamos pelo modelo atual, já que a área passa por constantes conflitos jurídicos e não temos tanto respaldo para lidar com possíveis ações – explica Emerson de Souza, de 49 anos, cozinheiro e coordenador do Museu do Horto.  

Construção do  extinto Clube Caxinguelê, onde tudo começou. (Foto: acervo Museu)

A família de Emerson não é das mais antigas da região, mas lá se vão mais de 70 anos desde que seu avô João Batista de Souza – o Seu João “Giba” – veio trabalhar como bibliotecário e jardineiro no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.  De lá para cá, a avó Elza – que ficou conhecida pelas lendárias feijoadas com samba -, e a tia Emília de Souza, que chegou a atuar na Associação de Moradores da Chácara do Algodão e foi presidente da Associação dos Moradores do Horto (AMAHOR) por muitos anos, sempre pronta a ajudar a preservar as famílias do entorno. 

– A AMAHOR surgiu em função da defesa do direito à moradia tanto da Comunidade do Horto, quanto da Chácara do Algodão. Ainda jovem, fui chamada para participar da Associação e fui criando consciência a respeito da situação crítica em que muitas famílias viviam nesta região. Eu poderia definir a minha relação com o Horto como “pertencimento” – lembra Emília.

O embrião do que veio a se tornar o Museu começou em 2002, quando alguns moradores tiveram a ideia de montar uma biblioteca comunitária no bairro, o que acabou se concretizando e chegou a funcionar no Clube Caxinguelê e depois na Escola TEPSI. Anos depois, o mesmo grupo lançou o livro “Cacos de memórias – Experiências e desejos na (re)construção do lugar: O Horto Florestal do Rio de Janeiro”, um projeto colaborativo coordenado por Maria Nilda Bizzo, que tinha objetivo de resgatar a lembranças, por vezes, esquecidas. “Nas bibliotecas, era muito fácil encontrar obras que contavam histórias de diversos lugares do mundo, mesmo os mais distantes. Só não tinha um que contasse a história do Horto”, brinca Emerson, nascido e criado na região.

Passeio pela Trilha do Capim Sagrado (Foto: acervo Museu)

Em 2009, foi criado o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) através da Lei nº 11.906 e, junto ao órgão, surgiu o projeto “Pontos de Memória”, que fomentava a criação de museus populares por todo o Brasil.  Coube à Natércia, amiga do grupo, trazer  Mário Chagas, à época, professor de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e membro do Ibram para tomar conhecimento do que estava acontecendo no Horto. Desde as diversas tentativas de remoção até os os projetos de resgate de memória. E assim, em 2010 o Museu  do Horto foi inaugurado oficialmente – conta Emerson que teve ajuda da historiadora Laura Olivieri no processo de documentação. 

Hoje, aproximadamente 500 famílias vivem na região, que passa por uma intensa briga judicial, com pedidos de reintegração de posse coletivos. A maior parte trabalha ou é descendente de ex-funcionários das fábricas que ocuparam a região e o Museu tem um trabalho importante na comunidade através das trilhas que contemplam 13 subdivisões da comunidade do Horto Florestal. Entre os roteiros estão os que passam pelos terrenos ds antigas fábricas da região e a trilha Capim Sagrado, feita em parceria com o Museu Comunitário da Rocinha e que vai até o Parque da Cidade, na Gávea. Mas, o percurso mais procurado pelos visitantes sai da Rua Pacheco Leão 1235 e termina no Solar da Imperatriz. 

Emerson com a históriadora Laura Oliveiri, que ajudou a montar o Museu (Foto: Acervo Museu)

— Esse caminho é o mais procurado porque é focado na história dos moradores e das famílias locais — explica o coordenador, que revela a possibilidade de customizar as rotas de acordo com o perfil dos interessados na visita e completa:  “os moradores também gostam de ser parte do Museu e este trabalho ajuda a melhorar a autoestima”. Hoje, o Museu do Horto conta com um corpo de sete voluntários, mas esse número varia, já que os membros possuem empregos paralelos. Para Emerson, o objetivo está sendo atingido.

— Nosso trabalho vem chamando a atenção da comunidade do Horto Florestal, que está crescendo Através dele, estimulamos a criação de mídias locais, como a TV Horto, firmamos parcerias e conseguimos apoiadores. É importante que seja divulgado o outro lado da história e das disputas de território que acontecem aqui — conclui Emerson.

4 Comentários

  1. Laura Olivieri Carneiro

    Adorei ❤️

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  2. Flavia Maria Schlee

    LAURA QUERIDA!!!!!! QUE TRABALHO IMPORTANTE!!!!!!

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  3. Anair

    Conheço bem todo esforço dessa mulher guerreira que é a Laurinha, que não mede esforços para ajudar a realizar sonhos, como os sonhos e lutas desta comunidade do Horto.
    Parabéns a todos os envolvidos.

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