Vizinho não se escolhe, isso é um fato. Com raras exceções você sabe quem é o seu vizinho quando se muda. A imagem daquele morador da porta ao lado, simpático, sempre pronto a emprestar uma xícara de açúcar ou ajudar com as compras, faz parte do imaginário. Quando você procura apartamento, normalmente presta atenção se é o sol da manhã ou da tarde, fica ligado na vaga da garagem, checa se as torneiras estão com água, mas raramente bate na porta ao lado e faz entrevista com o vizinho.
E mesmo quando isso dá certo, surge algo no meio do caminho para atrapalhar a convivência. E aqui na região não faltam exemplos. Do Humaitá à Gávea tem um morador incomodado com vizinho que, nesse caso, é pessoa jurídica (PJ) capaz de ocupar terrenos inteiros. É o caso da TAO empreendimentos, que anda atrapalhando a tranquilidade do Humaitá com a construção do condomínio HUM e o IMPA, que há mais de dez anos trava uma briga com os moradores do Horto. A turma da Gávea além de ter que lidar, há anos, com a falta de respeito do Jockey, que promove eventos até altas horas, descobriu recentemente o licenciamento de um projeto de construção em uma área de mais de 21 mil m² de reserva florestal, em uma zona de alto e médio risco geológico, na parte alta do bairro. Esses empreendimentos podem ter sua utilidade para a região, mas no quesito sociabilidade são os piores e reúnem tudo de ruim que se pode ter em um vizinho: faltam alto, não respeitam o próximo, fazem sujeira e não limpam e daí em diante.
O empreendimento Hum, da TAO vem dando dor de cabeça para os vizinhs.
Os vizinhos PJ não estão restritos às grandes construtoras, mas podem ser um bar com música alta até tarde da noite, um hospital que mantém seu maquinário ligado 24 horas, um restaurante que atrapalha a passagem ou mesmo um condomínio, ou comércio, que não recolhe seu lixo e deixa tudo na rua, para ser levado com a chuva.
Dia sim, e outro também eu recebo alguma reclamação contra um vizinho que não respeita uma regra básica: o direito de um acaba quando começa o do outro. A falta de bom senso é ampla, geral e irrestrita e vem crescendo ainda mais por conta de algumas leis instituídas pela Prefeitura. Um bom exemplo é a lei Complementar nº 226, de 23 de dezembro de 2020, que dispõe sobre mesas e cadeiras em áreas públicas, estipulando que os estabelecimentos mantenham um corredor de 1,50m de largura para a circulação de pedestres, e demarcar o espaço ocupado. A lei, criada durante a pandemia, para dar mais flexibilidade aos bares de usarem a área livre, foi ficando e o comércio abusa. Porque, na prática, esse corredor fica ocupado por pessoas em pé, dificultando a passagem, especialmente de carrinhos de bebê e cadeiras de roda.
Nos meus rolés, sempre busco o diálogo com moradores e comerciantes para buscar uma solução. Outro dia, conversando com um empresário da noite sobre as casas noturnas que abusam do horário com o som alto, perguntei se ele gostaria de chegar em casa, cansado do trabalho e ter um bate estaca ao seu lado tocando na potência máxima e ele me deu razão, embora não tenha abaixo o volume do som da sua casa, até onde eu sei. De outra vez, uma moradora da Gávea reclamou da passagem de som do Arena Jockey às 16h e eu aleguei que nessa hora, o som compete com outros sons da cidade e isso não valia, lembrando que a lei do silêncio é a partir das 22h. Aí, tudo muda de figura e o silêncio é prioridade sim.
Vizinha enviou foto de uma parte da ABBR onde as máquinas funciona noite e dia.
Eu moro próximo ao Parque Lage e a coisa que mais prezo é o silêncio, mas tenho consciência que eu, e minha família, somos barulhentos algumas vezes e tento compensar sendo compreensiva quando é a vez do vizinho. Entendo perfeitamente quando tem festa e outras reuniões. Afinal, um dia não é um mês e nem um ano. Precisamos praticar esse exercício de lembrar que não somos o centro do mundo e que muitas vezes incomodamos o próximo. Da mesma forma que costumo dizer que não estamos mais no Engenho Del Rey, nem na Chácara do Algodão. São os males do progresso e por conta disso, o canto dos pássaros se mistura às freadas de ônibus, buzinas e outros ruídos. Faz parte. Ainda mais em um bairro – como o Jardim Botânico – em que o morador adora fazer uma obra. Hoje, as makita também concorrem entre os sons mais ouvidos no bairro. Toda semana tem uma obra começando perto de você. Repare.
Mas os protagonistas do progresso, incluindo nossos governantes na lista, tem que entender também que não dá para sacrificar a saúde mental das pessoas em prol do lucro. Casa é um lugar sagrado e a gente precisa ser respeitado como cidadão. Quem me conhece sabe que sou favorável a ruas ocupadas. Sim, é bom para a segurança e para o comércio termos ruas movimentadas. Mas vamos respeitar os limites. A partir das 22h, tem que baixar o som, sim, que nesses locais, ficam potencializados por conta das conversas nas mesas; os hospitais têm que ter uma política para ligar suas máquinas de refrigeração e assim vai.
Vale dizer que o povo da região também é difícil e está sempre pronto para se opor e fazer barulho, muitas vezes por nada. Aqui no JB se reclama por tudo e é uma sorte que ainda não tenha sido proibido o canto dos pássaros antes da 7h da manhã. Ano passado fui testemunha, pelo grupo de WhatsApp da Associação de Moradores do JB, de um caso assim. Moradores se mostraram contra a mostra Morar Mais, na Casa de Mello Mattos, no alto da rua Faro. Na ocasião, eu ponderei que aquela instituição era muito reservada e se estava abrindo o espaço para receber o público era porque estava precisando e que havia espaço de sobra para os carros que fossem visitar o espaço. Tempos depois soube que uma integrante da diretoria da AMAJB esteve com moradores do entorno e ninguém se opôs ao evento. E a própria mostra não incomodou ninguém. A oposição ferrenha, poderia ser substituída por uma boa conversa e ajustes. Sei que muitas vezes não faz efeito, mas tentar é preciso.
E se nada der certo, nos resta alugar o 1746, dia sim, e outro também, fazendo reclamação no 1746 e mandando vídeos para as emissoras que recebem vídeos dos moradores. Uma hora isso vai chamar a atenção de alguém.
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