Natureza, silêncio, clima de cidade de interior são as características mais destacadas por quem mora – ou quer morar – nos bairros do Jardim Botânico e da Gávea. Neste cenário, não há como resistir ao charme das casas antigas e dos prédios pequenos. Alguns deles trazem histórias familiares em suas construções e acabam, por tabela, preservando o clima bucólico e tranquilo de algumas ruas.
Na área conhecida como Jardim Corcovado, a rua Abade Ramos é daquelas que inspiram conforto e tranquilidade. Um dos destaques ali é o prédio de número 47, onde moram Helena Isnard Cardoso, 85 anos, e seu marido Francisco Jorge Isnard Cardoso, de 96. Ela conta que o edifício foi construído na década de 1940, por encomenda de seu sogro, que antes vivia perto da igreja de Santa Margarida Maria, na Fonte da Saudade. Jorge foi síndico do prédio por muitos anos, mas passou a função para o sobrinho, que atualmente conta com auxílio de uma administradora de imóveis. Helena lembra que, antigamente, o porteiro era empregado da família e não do condomínio:
– O Aderaldo trabalha no prédio há mais de 10 anos. Ele faz todos os serviços necessários, inclusive a jardinagem – detalha, orgulhosa.
Para Helena, que adora o silêncio, o ar puro e os beija-flores que vêm beber água, não há lugar melhor para morar. Além do jardim, outro ponto que chama a atenção de quem passa na frente do imóvel é sua fachada “coberta por Pedra Espanha Rústica”, pontua a moradora. A entrada charmosa do prédio de apenas seis apartamentos – todos pertencentes à família, sendo que a metade deles está alugada – atrai olhares curiosos e os mais diversos tipos de produções audiovisuais, da gravação, em maio deste ano, do filme “Apaixonada”, com Danton Mello e Giovanna Antonelli, ao clássico “O Homem Nu”, com Cláudio Marzo, surpreendido por Helena no hall do prédio enrolado em uma toalha, tal qual acontece na história.
Cenas do filme “O Homem Nu” com Davi Pinheiro e Claudio Marzo
Próximo à Abade Ramos e igualmente icônico, encontra-se o Irebel, prédio mais antigo da rua Oliveira Rocha. O imóvel é dos poucos chamados pelo nome, resultado da contração dos nomes Irene e Abel. Foi Abel Mendes Pinheiro, português casado com Irene, quem construiu a edificação, seguindo o estilo de arquitetura portuguesa, comum nos anos 1940, com pedras na fachada e mármore no hall. O casal nunca morou no edifício, mas sorteou os imóveis entre os oito filhos. Dos 15 apartamentos, cinco foram vendidos, outros cinco, atualmente, são ocupados por familiares e três estão alugados, além da cobertura que está à venda e um que é ocupado pelo porteiro.
A jornalista e escritora Luize Valente reside ali há mais de 20 anos e tem como lembrança a pista de dança que havia na cobertura. A autora de “Sonata em Auschwitz” destaca que um dos tios foi responsável por melhorias no prédio, como a instalação de um elevador – um dos poucos prédios pequenos da época com este recurso – e recorda que, certa vez, a TV Globo usou o Irebel como locação para a novela “Caminho das Índias” por alguns meses. “Teve também a atriz Camila Morgado, que alugou meu apartamento por um tempo”, comenta Luize.
Outro prédio “de família” no bairro fica na rua Conde Afonso Celso. O proprietário, que não tinha descendentes diretos, fez a partilha para seus irmãos e sobrinhos. Atualmente, dos seis apartamentos, quatro são ocupados por parentes e todos convivem bem, como relata a jornalista Lea Cristina Rodrigues, que cresceu ali e que, hoje, costuma ir até lá apenas visitar a mãe: “Outro dia meu primo passou só para dar parabéns ao cuidador da minha mãe que fazia aniversário”, conta. Das lembranças antigas, ela recorda que costumava brincar com as primas na frente do edifício, como se fosse m castelo.
Prédios das ruas Oliveira Rocha e Benjamin Batista
Já as raízes de Gilberto de Souza estão fincadas na Praça Pio XI, estendendo-se até a rua Benjamin Batista: “Meu avô comprou o terreno e construiu a casa, mas como o terreno era muito grande, por conta do IPTU que era alto, acabou construindo nos fundos um prédio de 3 andares”, explica ele que chegou a morar em um dos apartamentos por 30 anos.
Os Canalini investiram bastante no Jardim Botânico. A história remonta ao final do século XIX, quando Augusto Canalini chegou da Itália e escolheu o bairro para morar e empreender. “Ele foi o responsável pelo primeiro “arranha-céu” do bairro”, recorda o neto, Alfredo Canalini, um dos antigos moradores do prédio de três andares, com 12 apartamentos e quatro lojas, hoje ocupadas pelo supermercado Zona Sul, na esquina das ruas Jardim Botânico e Pacheco Leão. O prédio foi inaugurado em 1932 e quatro unidades (dois apartamentos e duas lojas) ainda pertencem à família Canalini, assim como a vizinha Casa das Águias, atualmente alugada à TV Globo.
– Morei no apartamento 301 até me casar, aos 24 anos. Da varanda, dava para ver a Lagoa, os prédios de Ipanema e, à noite, via a luz do farol da Ilha Rasa. Quando chovia muito, a brincadeira era ficar na janela apostando até que ponto a água chegaria. Com meu amigo Ricardo, que mudou para lá aos 10, 11 anos e não saiu mais, gostava de andar de bicicleta, íamos até a pedreira, no alto da Lopes Quintas, onde havia um campinho de futebol – recorda Alfredo.
A Doutora em Educação Alda Mazzotti mudou-se para o Jardim Botânico na década de 1980. Seu primeiro endereço com as filhas Paola, Adriana e Glaucia, então adolescentes, foi um apartamento na rua Oliveira Rocha, onde Paola ainda mora. Alda fez questão de dar um apartamento para cada filha, todos no Jardim Botânico: “Comprei perto para ter todas as filhas perto de mim”, confessa. Nos anos 1990, Alda casou-se novamente e, em 1994, comprou uma casa na rua Faro com seu segundo marido.
– Sempre gostei de casa. Antes de mudarmos para essa da rua Faro, fizemos uma reforma, acrescentando um terceiro andar, onde instalamos uma piscina e área de convivência. Com o tempo, as filhas foram deixando a casa, e o espaço ficou muito grande e trabalhoso só para um casal. Mas a casa guarda muitas memórias, é difícil desapegar – afirma ela, que resiste em vender o imóvel.
Ainda hoje, Alda considera o Jardim Botânico o melhor para morar. Há sete anos, o casal alugou a casa e mudou-se para um residencial em plena rua Jardim Botânico: “A condição era ser um apartamento de fundos, acima do quarto andar, para evitar o barulho. Aqui, a melhor coisa é a vista”, avalia ela, que graças ao “arranha-céu” da família Canalini, tem vista livre para o Jardim Botânico do Rio de Janeiro de sua varanda no sexto andar.
A Gávea também guarda preciosidades em seus pequenos prédios. Como o que fica em uma das esquinas mais movimentadas da Gávea serve de camarote para a família Cesario Alvim há mais de 60 anos. O imóvel foi comprado pela avó do empresário Thiago Cesario Alvim, que, ao ficar viúva, decidiu investir no mercado imobiliário e comprou edifícios pequenos, todos de três ou quatro andares, em áreas valorizadas da cidade, de Ipanema à Urca. Conforme os 10 filhos foram crescendo e casando, podiam escolher aquele que mais lhes agradava. Antonio Pedro, pai de Thiago, optou pela Gávea e lá viu seus filhos e os filhos de seus filhos nascerem. O prédio tem quatro lojas e, originalmente, seis apartamentos, sendo que os dois do último andar foram integrados, ficando para os pais. Sócio do restaurante Carioca da Gema, Thiago conta que seu pai seguiu o exemplo da mãe e fez questão de manter o edifício totalmente familiar:
– Eu nasci em 1960 e logo vim morar no 402. Naquela época, havia inquilinos, mas conforme eu e minhas três irmãs fomos casando, papai ia doando os apartamentos para a gente – lembra Thiago, que, por sua vez, teve dois filhos, criados no mesmo endereço.
O empresário avalia que ter a estrutura familiar sempre pertinho é bom para todo mundo. Ele confessa que aproveitou o conforto de poder sempre contar com algum parente por perto para cuidar dos filhos pequenos, quando ele e a esposa trabalhavam até de madrugada no bar e restaurante da Lapa. Durante a pandemia, a história acabou se repetindo com o nascimento de sua neta, que ficou até os dois anos no endereço. O esquema familiar agora funciona bem para atender a matriarca, Maria Eunice Cesario Alvim, que, aos 86 anos e viúva, tem sempre companhia nas refeições no apartamento duplo do casal:
– Do meu lado, mora minha irmã Margarida; em cima, a Carolina. A única que nunca chegou a viver aqui depois de casada é a Ana Celina, que é mais reservada e está vendendo seu apartamento. O clima de vila é ótimo, mas pode incomodar quem prefere um pouco mais de privacidade – reconhece o pai de Pedro Henrique, que divide a guarda do Golden Retirever Loco Abreu com uma de suas tias.
*Por Betina Dowsley e Christina Martins.
📷 Chris Martins, exceto as do filme “O Homem Nu” e a antiga do Edíficio Canalini.
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