23 de junho de 2022
PELAS VILAS DO JOCKEY

Uma fazendinha em plena Zona Sul. Uma bolha, um feudo. São várias as definições para as vilas do Jockey por quem mora lá. Eu já tenho outra definição:  um universo paralelo. Foi por conta de uma matéria para o JB em Folhas há alguns anos, que descobri este outro lado do hipódromo.  E me encantei.  Aos poucos fui fazendo novas conquistas, superando guaritas internas como a do restaurante Rubaiyat. Quando você ultrapassa esta fronteira, parece que você o paraíso é ali. As ruas com as cadeiras na calçada, os vizinhos conversando despreocupadamente e o principal, a educação na ponta da língua. Ali se cumprimenta todo mundo, e as expressões gentis “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” saem naturalmente, com um sorriso no rosto, sendo prontamente retribuídas. Uma atitude totalmente incorporada à rotina do lugar. Ali se misturam os treinadores de cavalos premiados, que trocam ideias com simples cavalariços, sem falar dos aprendizes, com seus uniformes amarelos, sempre prontos para montar e aprender um pouco mais.  Meninos novos, em sua maioria, arrimos de família, que largaram sua cidade trazendo sonhos e esperanças na mala.

Andando pelas vilas você repara no tráfego intenso de bicicletas – das mais modernas às mais antigas, que são o veículo certo para circular por aquela imensidão. E de repente você esbarra no ferrador Osvaldo Mendes e puxa uma conversa.  Ele diz que é baiano, veio de Bom Chapéu e circula pelas vilas, pronto para arrumar uma ferradura fora do lugar.

É um povo que criou raízes no Jockey, que viu o clube crescer, se orgulha do lugar onde mora e tem sempre uma história boa para contar, não necessariamente de um tempo antigo, mas também de um passado recente. Gente que embora more na parte nobre da cidade não está preocupado com o externo. Vivem bem dentro das vilas e se satisfazem com o que tem. E gostam do que fazem, por isso ocupam o seu tempo sem reclamar, sem cansar. Estão sempre animados e só tem um assunto: cavalos. Como Ramilo, da Cocheira 10, que se sente completo de uma tal forma na vila, que raramente sai para algum passeio. Em 37 anos vivendo ali, não se deu ao trabalho de atravessar a rua para conhecer o Jardim Botânico do Rio de Janeiro.  “Eu gosto de trabalhar. Até para visitar a família o Seu Francisco tem que me expulsar daqui, senão eu vou ficando”, confessa.

Nas vilas não tem farra, não tem música alta, não tem excesso. É um espaço em que se vive para e pelos cavalos, que são como um membro da família. Não apenas os cavalos, mas os cachorros, gatos, galos e até as ovelhas, que, reza a lenda da vila, acalmam os cavalos. Chicão, um “labralata”, como os donos definem, também morador da Cocheira 10 está sempre alerta quando algum cavalo está travado (no chão, sem conseguir se levantar) e precisa de sua ajuda. Ele corre para acudir e, com algumas mordiscadas no companheiro equestre, consegue fazê-lo levantar. Já os cachorros Beiçola (american bully), Thor e Pirulito (dois pugs), adotados por Alex Mota, coordenador da ENPT, gostam de acompanhar o movimento da Escola e fizeram questão de marcar presença como membros da equipe, posando para as fotos.

E mesmo quem não mora nas vilas, faz questão de usufruir da energia que o espaço emana. Como o corretor de investimentos aposentado, Francisco de Paula Elias Filho, proprietário da Cocheira 10, que embora seja sócio do JCB há mais de 40 anos, só há cinco anos decidiu ter um espaço na vila, onde comparece diariamente. Quando está lá, mostra com orgulho como a égua New Mary gosta da sua companhia: “Seu eu largar a rédea, ela vem atrás de mim”, brinca.

As prosas são ótimas e todas contadas com paixão. O administrador Raymundo dá uma volta para mostrar as melhorias para o Grande Prêmio e destaca, como criança, a novidade que será inaugurada: uma nova iluminação de LED para a corrida dos mil metros do GP; o Machadinho, fala sobre a imagem de Nossa Senhora Aparecida no meio da pista, no espaço onde os treinadores acompanham o treino: “foi uma votação, alguns queriam São Jorge, mas a Santa ganhou”.

E a cada entrevistado com quem converso, surge uma história nova, um personagem curioso que faz parte do clube. Ao final de três dias chegando às 5h da manhã para acompanhar e fazer fotos dos treinos, eu faço o registro acima do cavalo, que certamente está sorrindo de felicidade em ser tão bem tratado e receber aquela água fresquinha depois do treino esforçado. Ô sorte! E as resenhas nas cocheiras mais parecem uma grande reunião de família, com piadas, brincadeiras e (mais) histórias.

E depois de fechar o trabalho, rumo para casa e, na rua, ainda na vibe das vilas, cumprimento algum desconhecido e recebo, em troca, uma cara fechada e desconfiada, quase perguntando para si “quem é essa maluca?”. E aí cai a ficha: estou fora do paraíso e de volta à vida real.

2 Comentários

  1. Bianca Siqueira

    Os veterinários atendem os gatos ( muito abandono) na emergência e na castração. Porém, precisamos de adoções ( interessados em aditar) constantes. O número de abandono é imenso e a demanda por ração, carinhos e casinha (sem chuva, sem acidentes) é grande.

    Responder

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