Impossível não reconhecer a jornalista Flávia Oliveira. Moradora da Fonte da Saudade há mais de 12 anos, seu rosto começou a ser conhecido quando trabalhava no jornal O Globo (1994-2015) e assinava uma coluna de economia. Sua visibilidade cresceu com suas participações na TV. Até o início de 2020, ela era colaboradora de vários programas da Globonews. Depois de um histórico “Em Pauta”, em junho, só com jornalistas e comentaristas negros na tela devido ao assassinato de George Floyd no Estados Unidos, Flávia teve sua carga horária aumentada e passou a fazer parte do restrito time de jornalistas negros da emissora, ao lado de nomes como Heraldo Pereira e Aline Midlej.
– Este ano tem sido de muitas mudanças. A representatividade dos negros aumentou muito depois disso, com a cobrança da audiência. A Globonews respondeu, mas ainda falta bastante. Na TV, de uma maneira geral, ainda é muito modesta a participação de negros, considerando o tamanho da população afro-brasileira – observa, lembrando que, além de jornalistas, repórteres e comentaristas, é preciso diversificar também as fontes, personagens e a forma como as pautas são abordadas.
Flávia desconhece uma orientação explícita ou cota para jornalistas negros nos meios de comunicação. Para ela, a presença maior no vídeo é uma resposta à pressão dos próprios espectadores: “Isso é bem-vindo, de todo modo”, admite. A comentarista chama a atenção, porém, para o fato de alguns veículos trabalharem com uma espécie de meta, como a Folha de S. Paulo, que criou uma editoria de Diversidade; e o aumento da presença de negros na Globonews e no Sportv.
– Pessoas e profissionais negros ganham com isso, claro; mas, com certeza, a sociedade ganha mais com a diversidade. O debate público que contempla a heterogeneidade da sociedade é bom para todo mundo, gerando produtos mais completos do ponto de vista de abordagem. Não é só sobre fazer justiça social, mas ser mais eficiente, mais verdadeiro e democrático – afirma.
Na vida pessoal, a jornalista não se sente afetada por ser minoria numa vizinhança majoritariamente branca. Flávia cresceu no subúrbio, onde, em sua opinião, laços familiares, sem vínculos biológicos, são criados. Antes de vir para cá, ela morou no Méier e na Tijuca e, em nenhum desses lugares, viu o mesmo tipo de relação intensa como a que vivenciou na infância e adolescência em Irajá.
– A vida na Zona Sul é de muito isolamento. Ninguém sabe os nomes dos vizinhos. Sou a única negra do prédio. A convivência é civilizada, porém, sem amizade ou proximidade. Simpatizo e já fui algumas vezes ao Quilombo Sacopã, território remanescente de quilombolas muito oprimido por condomínios e moradores da classe média alta, branca, da Lagoa – atesta ela, que, anos atrás passou por um estranhamento motivado por questões raciais no Leblon, onde seu marido, o também jornalista Aydanno André Motta, morava antes.
Em home office há oito meses e “vendo o mundo pela tela”, Flávia tem pedido tudo em casa e não sai nem para a Cobal do Humaitá, onde ficam seu feirante favorito, a baiana Naná do acarajé, manicure e depiladora. Eventualmente, vai tomar uma água de coco e curtir o pôr do sol na Lagoa ou tomar café da manhã na padaria Santa Maria. O único programa de verdade que fez neste período foi visitar o Museu Casa do Pontal, em seu último dia de funcionamento, com hora marcada, máscara e álcool gel. Muito pouco para quem, em tempos normais, é rueira e sociável, gosta de samba, desfila, encontra amigos e vai a muitas reuniões. Flávia acredita que o isolamento forçado só não é pior porque mora em um apartamento térreo, com área externa e um quintalzinho que a fez descobrir a jardinagem: “Consigo tomar sol e ver um pedacinho de céu, mas, lá pelo sexto mês, comecei a ver as paredes se estreitando”.
O trabalho tem sido uma boa válvula de escape. Atualmente, Flávia escreve uma coluna semanal para o jornal O Globo, faz três participações na rádio CBN por semana e nove na Globonews. Além disso, é conselheira de oito organizações da sociedade civil – como a Agência Lupa – e grava o podcast semanal Angu de Grilo, criado por sua filha Isabela, jornalista e influencer, que trabalhou na TV Globo, mas optou por uma carreira independente. O programa é jornalístico com tom informal. As duas conversam sobre os temas do momento com intimidade e humor. O título veio de uma expressão usada pela mãe de Flávia, como sinônimo de bagunça – ou balbúrdia, para ficar mais atual.
– A gente achou que tinha a ver com o podcast, por traduzir a ideia de intimidade e ancestralidade, presentes em nossas conversas. Para completar, a logo foi criada a partir da caligrafia da minha mãe. É uma delícia trabalhar com a Isabela, que até o 3º ano dizia que queria ser médica. Ela é uma comunicadora de muita qualidade e sinto muito orgulho de estar envolvida neste projeto que ela idealizou e conduz com tanto profissionalismo – atesta a mãe coruja.
*Por Betina Dowsley
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