A criação de hortas urbanas está em alta nas grandes cidades do mundo. No Brasil, a tendência de valorizar o que é produzido ou vendido perto de casa foi batizada de “locavorismo”, termo criado em 2005 a partir da palavra “local” e do sufixo “voro”, que significa “comer”. A mudança de comportamento foi acentuada durante a pandemia e voltou a atenção das pessoas para terrenos baldios, canteiros, varandas e vasinhos. No estado do Rio de Janeiro, com mais de 15% da população sem ter o que comer, qualquer espaço passou a ser interessante para os “locávoros”.
Não faltam iniciativas da Gávea ao Humaitá. Uma das mais emblemáticas, considerando seu aspecto social, é a Horta Comunitária Professor Walter, criada há um ano em homenagem ao antigo professor de ciências Walter Veiga, da Escola Municipal Camilo Castelo Branco, onde grande parte dos moradores do Horto estudou. A ideia foi de um de seus ex-alunos, Roberto Fonseca, fundador do projeto Horto Natureza, com o apoio de vizinhos e do projeto Mico Preto Capoeira e da TV Horto. A horta foi implantada às margens do Rio dos Macacos, na altura do número 1557 da rua Pacheco Leão. O plantio começou em junho de 2021, a partir de uma construção abandonada adaptada como estufa.
A produção da horta comunitária é bastante variada e distribuída principalmente para os moradores dos núcleos do Caxinguelê, Grotão e Balança, sendo que os mais necessitados podem sempre ir colher os alimentos diretamente no local. Entre os itens que se adaptaram melhor à região estão couve, abóbora, alface, aipim e temperos. Além da importância comunitária e ambiental, a iniciativa resgata a história da ocupação da região do Horto, de onde saíram mudas para arborização das ruas e praças da cidade:
– Recentemente ampliamos o projeto para a Escola Municipal Júlia Kubitschek, que fica dentro do Jardim Botânico, e criamos uma hortinha no local. Lá plantamos alface, beterraba, cebolinha e outras coisas que são usadas na merenda das crianças, que estão gostando de ir colher os ingredientes – conta Roberto Fonseca, um dos idealizadores do Horto Natureza, ao lado de Alvim Cunha Figueiredo e dos primos Ricardo e Rogério Matheus.
A horta da Escola Municipal Camilo Castelo Branco foi uma das primeiras da região. O espaço foi criado em 2016 pela empresa Carpe, que atua no setor agroflorestal, prestando serviços de consultoria, implementação de hortas, agricultura urbana e podas. Atualmente, quem está à frente do projeto voluntário na escola são as estudantes Jordana Steinbruck, de Ciências Ambientais, e Maura Andrade, de Biologia. É ela a responsável pelo Clube da Horta, oficina de educação ambiental realizada toda segunda-feira com 20 alunos do 6º ao 9º ano do colégio com foco em comida. Os canteiros foram ocupados com berinjela, quiabo, alface, tomate, almeirão, salsa, coentro cebolinha e inhame, entre outros, tudo colhido e distribuído entre os participantes da atividade extra.
– Na volta às aulas este ano, lançamos a pergunta “Você tem fome de quê?”. A maior parte dos pedidos foi de alimentos convencionais, como tomate, alface, cebola… Só não deu para plantar uva! Esta semana, colhemos mostarda, eles ficaram surpresos de saber que é a partir da semente da planta que o molho dos sanduíches é feito – observa Jordana.
Em março deste ano, a Carpe foi chamada para implantar e administrar uma horta comunitária no Parque do Martelo. Jordana conta que a equipe da empresa iniciou o preparo do solo e o plantio em canteiros, criados a partir do material resultante da própria poda do local. Lá há dois espaços de plantio. Perto da sede da Associação de Amigos do Alto Humaitá ficam os temperos: manjericão, alecrim e sálvia, foram os que se adaptaram melhor, além de alguns tipos de PANCs (plantas alimentícias não convencionais), que são mais resilientes. Já perto do meliponario, foram plantadas mudas de 11 árvores de grande porte, como cabeludinha (tipo de jabuticaba) e uvaia, além de 400 mudas de flores, a fim de atrair mais abelhas para o local.
Como o Parque do Martelo tem um jardineiro que trabalha de segunda a sábado, das 8h30 às 13h, o manejo não precisa ser tão frequente. Além disso, qualquer um pode ir ao local e colher: “A horta é comunitária, mas para que as plantas não sejam danificadas, o ideal é pedir ajuda para o Neto (Osvaldo Caldeira Neto, zelador do parque que faz as vezes de jardineiro)”, recomenda Jordana.
Um exemplo bem-sucedido é o do colégio Divina Providência. A ideia foi do padre Francisco Alfenas, que dirige o colégio e o Instituto de Artes e Ofícios da Divina Providência, e transformou todos os canteiros da escola em horta. É ele quem cuida diariamente da Horta do Divina, que tem alface, rúcula, brócolis entre outras verduras e hortaliças, plantadas conforme o calendário. A colheita é destinada principalmente à Casa de Betânia – obra social dedicada a idosos e mantida pela paróquia –, mas os alunos que participam da atividade podem para levar uma hortaliça para casa.
O Padre Francisco Alfenas criou e cuida da Horta do Divina com a ajuda dos alunos do colégio.
Com o tempo, a Horta do Divina assumiu apelo pedagógico para todos os segmentos da escola, da Educação Infantil ao Ensino Médio, cada qual com seus objetivos. A interação é muito importante para vivenciar a natureza, o tempo, o cuidado e o conhecimento compartilhado. A turma miúda gosta de botar a mão na terra; enquanto os alunos do Ensino Médio usam o espaço para aprender mais sobre o Ciclo Biogeoquímico dos Elementos e reforçar os conceitos de sustentabilidade, entre outras coisas.
As árvores frutíferas podem ser consideradas multitarefas: embelezam a cidade, geram sombra, melhoraram a permeabilidade do solo e ainda produzem alimentos. Motivos mais do que suficientes para a criação do Pomar da Lagoa. Com o apoio da Fundação Parques e Jardins, que providenciou terra e mudas, um grupo de moradores plantou mais de 30 pés de manga, jambo, nêspera, guabiroba, graviola, carambola, seriguela e abiu amarelo, entre outras espécies, no canteiro central da avenida Borges de Medeiros, entre a Igreja de São José e o Clube Piraquê, em maio de 2021. A ação mobilizou cerca de 15 voluntários de todas as idades e já começou a dar frutos.
A ideia de semear alimentos vem se espalhando por diversos pontos da região. Na esquina das ruas Araucária e Maria Angélica, a jovem moradora Joana Amora desde cedo botou a mão na massa. Ela começou plantando um pé de maracujá junto ao muro de seu prédio e, mais tarde, mergulhou no universo das PANCs. Na Meimei Escola Montessoriana e outras instituições educacionais, os cuidados com a horta fazem parte da rotina dos alunos. Já os canteiros na esquina das ruas Voluntários da Pátria e Capitão Salomão, antes ocupados apenas por plantas ornamentais, agora contam com árvores frutíferas.
Na praça Pio XI, Rafael Rodrigues, de 8 anos, orgulha-se de ter plantado um pé de limão galego, regado por ele de duas a três vezes por semana, junto com seu pai, o porteiro Célio Rodrigues. Em outubro de 2019, o JB em Folhas promoveu um mutirão para cuidar dos canteiros da pracinha, que receberam terra e mudas de temperos. A iniciativa foi prejudicada pela pandemia, e os espaços já estão precisando de cuidados novamente. De todo modo, a semente já está plantada, só precisa continuar a ser regada para fazer a diferença no cotidiano da cidade.
*Por Betina Dowsley.
Que maravilha!
Todos podem usufruir e as crianças já crescendo com consciência ambiental!
PARABÉNS À TODOS!
Exatamente, Eni!