17 de novembro de 2022
SÔNIA ATHANAZIO, A DONA DA JANELA

De batom vermelho, argola, saião e barriga de fora, é assim que Sônia Maria Athanazio é vista pelas ruas do Horto, bairro onde vive há 65 anos. O leitor pode não ligar o nome à pessoa, mas certamente vai reconhecer a foto-instalação que decora a fachada da sua casa, na rua Pacheco Leão, e faz sucesso entre pedestres e turistas que visitam a região.  Foi exatamente o jeito de vestir (colorido e alegre) de Sônia que encantou a artista plástica Ira Etz, que fotografou a moradora em 2019 e incluiu a imagem em uma exposição naquele ano no restaurante Borogodó. 

Nascida e criada pelos avós na rua Marquês de Sabará, Sônia mora atualmente em uma casa na Pacheco Leão, herança do avô, antigo funcionário da América Fabril. Ela estudou na Camilo Castelo Branco e, depois de se formar como professora, foi dar aula na Escola Municipal Júlia Kubitschek, até que o samba falou mais alto.  Frequentadora das rodas de samba e blocos que aconteciam no Bar do Lili, na rua Abreu Fialho, Sônia foi incentivada por amigos e vizinhos a participar do concurso para Miss Renascença, no clube do Andaraí.

– Sempre gostei de música e participei de vários blocos de carnaval. Aliás, até hoje, onde tem um samba ou um pagode, eu ‘tô’ lá. Um dia o Teteu Gomes [da TV Globo] me falou sobre esse concurso e não perdi tempo. Fiquei em segundo lugar como Miss Renascença. Lá eu vivi um dos melhores momentos da minha vida. É a minha casa, vou lá até hoje – afirma Sônia, que, como passista, desfilou por 15 anos consecutivos no Salgueiro, depois na Imperatriz, na São Clemente e ainda foi rainha de bateria da Vila Isabel.

Depois de conquistar o segundo lugar como Miss Renascença, os convites começaram a surgir e ela agarrou cada oportunidade. Em 1978, tornou-se dançarina do Chacrinha e, de 1980 a 1985, foi “Mulata do Sargentelli”. Sempre de bom humor e com um sorriso estampado no rosto, seu nome de chacrete faz jus à sua personalidade: Soninha Sorriso: “Eu vivia sorrindo”, diz, já deixando sua marca registrada.

Com Sargentelli e  “suas mulatas” 

Do passado do Horto, Sônia guarda boas lembranças das festas que aconteciam na região, especialmente no Clube Condomínio: “Era muito animado e todo mundo se conhecia”, recorda a professora, que lamenta que a agenda do clube, hoje, esteja restrita apenas ao aluguel das quadras, sem festas. Mas o que tem tirado o sono da passista são a segurança e os assaltos frequentes.  Tanto que, atualmente, ela evita sair à noite, por conta da falta de policiamento na região.  “Está realmente muito perigoso. Todo dia a gente ouve relatos de assaltos com arma, a pé ou de carro.  E o fechamento dos restaurantes deixa as ruas desertas. Só sobrou o Jojô Bistrô”, lamenta.

Sônia e Armando, da Padaria Século XX (Foto: Chris Martins)

– Eu ando com uma bengala, às vezes duas. Eu não me sinto segura, tenho medo. Tá muito deserto aqui, tendo bastante assalto. A gente não tinha isso, então não estamos acostumados – afirma ela, que tenta controlar o medo para seguir sua rotina de fazer suas compras e encontrar alguns amigos, como Armando Ascenção, dono da padaria Século XX.

Solteira, Sônia admite que namorou bastante e que chegou a ser noiva de Marco Antônio, lateral esquerdo da Seleção de Brasileira de 1970. “Ele frequentava o Renascença e eu me dava bem com as irmãs dele. Certa vez ele me ligou e disse que a partir daquele dia eu seria sua namorada e futura esposa”, conta ela. Ao final de cinco anos, o romance acabou, mas ela só tem elogios a fazer sobre o ex-noivo: “Ele foi uma pessoa maravilhosa, meu amigo, meu parceiro”.

Apesar das questões de segurança e mobilidade, Sônia diz que ainda pretende viver muitos anos pelas ruas do Horto. “Eu só saio daqui para o cemitério São João Batista. Aqui é um bairro onde todo mundo se gosta e se respeita. Sei que o preconceito racial ainda existe, mas eu quero acreditar que seja a minoria.”

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