Aos poucos, o que era um largo sujo e malcuidado vem ganhando espaço no dia a dia da região. A abertura de uma unidade do supermercado Zona Sul naquela esquina foi o pontapé inicial para a mudança. Há 20 anos, o cruzamento das ruas Jardim Botânico e Pacheco Leão foi batizado com o nome do jornalista e escritor Otto Lara Resende, com direito a uma estátua em bronze, criada pelo artista paraibano Joás Pereira.
Os boêmios foram os primeiros a se apropriar do espaço – e da estátua, usada como assento e apoio para copos e latas. No início da pandemia, o JB em Folhas colocou uma máscara na estátua, como parte de uma campanha de conscientização da necessidade do uso do acessório. Em outubro de 2021, o lugar abrigou, pela primeira vez, o evento Amigos na Praça, enchendo o local de livros. A partir daí, o Zona Sul adotou de vez o espaço e vem promovendo eventos diversos, de música e feirinhas de Natal e gastronômicas a oficinas de arte e culinária para crianças. Neste ano em que se comemora o centenário de nascimento de Otto Lara Resende, só falta mesmo os próprios moradores cuidarem melhor do largo. E se para cuidar é preciso conhecer melhor o personagem homenageado, o JB em Folhas dá uma forcinha.
Moradores interagem com a estátua de Otto Lara Resende. (Fotos: Chris Martins)
“Nasci em 1 de maio de 1922, no dia em que foi fundado o Partido Comunista. Era Dia do Trabalho, mas era feriado”. Assim Otto Lara Resende se apresentou em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1979. Seu aniversário marcou também seu renascimento como cronista com a publicação de “Bom dia para nascer”, em 1991, na Folha de S. Paulo, um ano e meio antes de sua morte.
As comemorações pelo centenário de nascimento do jornalista já começaram e incluem o lançamento do documentário “Otto, de trás para diante”, codirigido e coproduzido por sua filha Helena Lara Resende; o monólogo “Eu, Otto”, do dramaturgo Amir Labaki; e a coletânea “Otto, retrato escrito”, com cartas enviadas pelo homenageado a seus seis amigos: Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos, Dalton Trevisan, Rubem Braga e Francisco Iglésias. Tudo isso ainda não tem data precisa de lançamento, mas, certamente, este ano, já que em dezembro completam-se três décadas do falecimento do escritor.
O mineiro Otto Lara Resende teve sua primeira experiência no jornalismo aos 18 anos, no periódico católico O Diário e chegou a editor do caderno literário do Diário de Minas. Nos anos 1940, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou nos jornais Última Hora, Correio da Manhã e O Globo, além de ter sido diretor do Jornal do Brasil e da revista Manchete.
Ao longo de sua vida, Otto Lara escreveu cinco livros de contos e um romance, tendo sido eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 1979, antes do lançamento de “O elo partido e outras histórias”, de 1991, e 16 anos depois da publicação anterior. Suas principais contribuições literárias, entretanto, foram registradas nas páginas de jornais e revistas. Sem falar nas frases claras e concisas de sua lavra, como a sempre atual ameaça de “trancar minha matrícula de brasileiro”, expressando sua insatisfação com fatos e declarações públicas.
Outras frases de Otto Lara Resende:
“Abraço e punhalada a gente só dá em quem está perto.”
“O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que de tão visto ninguém vê.”
“Envelhecendo e envilecendo.”
Com diploma de advogado, o jornalista foi também adido cultural nas Embaixadas do Brasil em Bruxelas e em Lisboa. Na TV, apresentou o programa “O Pequeno Mundo de Otto Lara Resende” e o “Jornal Painel”, no qual entrevistava grandes personalidades da arte e da política. O trabalho na Rede Globo durou dez anos, até 1984, quando era assessor direto de Roberto Marinho. É de autoria de Otto Lara Resende a expressão “Vênus Platinada”, em referência à emissora de TV que tem sede no JB. Seu último trabalho foi na Folha de S. Paulo, onde assinou uma coluna diária por um ano e meio.
A viúva de Otto, Helena Uchoa Pinheiro, de 93 anos, conta que o primeiro endereço do casal foi um prédio pequeno, na rua Artur Araripe, onde moraram até irem para a Bélgica. Na volta, passaram um tempo na casa dos pais dela, enquanto aguardavam a construção de uma nova casa da rua Joaquim Campos Porto, no trecho que antes era parte da rua Peri:
– A fábrica de tecidos que funcionava ali estava vendendo lotes, e nós compramos. Vivemos nessa casa por 25 anos mais ou menos, depois mudamos para um apartamento na rua Alexandre Ferreira, onde fomos assaltados – recorda-se ela, reconhecendo que isso acelerou a volta à Gávea.
Católico, o casal costumava frequentar as missas na região. Primeiro na igreja Nossa Senhora da Conceição, no início da rua Marquês de São Vicente; depois na Capela das Servas de Maria, na rua Embaixador Carlos Taylor, ao lado de onde moraram por um breve período, enquanto aguardavam a obra de outra casa – desta vez na rua Frederico Eyer – ficar pronta. Na década de 1990, a partir da inauguração da capela da PUC, passaram a assistir às missas na universidade.
Fora os compromissos religiosos, um dos programas que faziam com os filhos – além da temporã Helena, o economista André (ex-diretor do Banco Central e ex-presidente do BNDES no governo de Fernando Henrique Cardoso), o advogado Bruno e a coreógrafa Cristina – era almoçar no Filé de Ouro no final de semana. Para passear, Otto gostava de caminhar pelas aleias do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, conversando com o amigo e psicanalista Hélio Pellegrino.
A agência dos Correios na rua Jardim Botânico foi muito frequentada por Otto, que ganhou selo em sua homenagem dois anos depois de sua morte.
Mas é Helena – a filha – quem revela o lugar mais frequentado pelo escritor na região: a agência dos Correios, na rua Jardim Botânico. Tal constatação é facilmente confirmada em uma simples consulta ao acervo do autor no Instituto Moreira Salles, que conta com milhares de correspondências, grande parte delas já digitalizadas. O largo entre as ruas Jardim Botânico e Pacheco Leão era caminho obrigatório para Otto postar suas missivas, mesmo quando já morava na Gávea. Assim como a criação do selo lançado pelos Correios em 1994, a estátua e o nome do largo fazem jus ao homenageado.
*Por Betina Dowsley
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