27 de outubro de 2022
SÉRGIO PORTO É CALEIDOSCÓPIO CULTURAL

Teatro, dança, música, vídeo, fotografia, poesia e tudo mais que a criatividade mandar. A multiplicidade de manifestações artísticas é o maior trunfo do Espaço Cultural Sérgio Porto. Há 36 anos, o endereço no Humaitá é um dos mais emblemáticos da cultura carioca, palco, que abre espaço para eventos de vanguarda, como o Humaitá Pra Peixe e CEP 20.000 e também para ações que viram reunir a comunidade artística do entorno. É o caso das Feirinha cultural, que abre o carnaval no Humaitá, no próximo sábado, dia 4, de 10h às 16h, com entrada franca.  A programação inclui música com os DJs Mr. Pinguim e Gustavo Goranmo, às 11h, e os blocos “Batuque do Martelo” e “Empolga Às 9”, a partir das 13h30.

O Sérgio Porto foi inaugurado em outubro de 1986. Antes de se transformar em espaço cultural, o endereço foi depósito de merenda escolar da Prefeitura do Rio até 1983, quando passou para a Secretaria Municipal de Cultura. O nome escolhido para batizar o local é uma homenagem àquele que encarnou – seja sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, seja sob o próprio nome do escritor, cronista e jornalista – o carioca típico, afável e mordaz, irreverente e político.

O lugar passou por sua primeira reforma em 1989/1990, quando foi construída uma galeria de arte, inaugurada com uma mostra individual de Lygia Pape. A partir daí, tornou-se referência para artistas plásticos, músicos, atores, dançarinos, poetas e todo tipo de performance e experimentação artística. Por não ter compromisso com o mercado, o Sérgio Porto passou a funcionar como laboratório para artistas contemporâneos emergentes ou mesmo alguns já consagrados.

A fachada da rua Humaitá em 2022 em homenagem a Carlos Drummond de Andrade.

Uma década depois, o espaço cultural passou por uma reforma importante, reabrindo ao público com duas galerias, um espaço cênico de 300m2, urdimentos móveis e arquibancadas modulares para 140 pessoas, camarins com banheiros, foyer e cafeteria. Em 2013, um projeto ambicioso de ampliação do espaço, envolvendo a desapropriação do posto de gasolina BR, foi desenhado, mas não chegou a sair do papel.

A essência do Espaço Cultural Sérgio Porto, porém, nunca esteve associada a seus tamanho e estrutura. Desde o início, a proposta era reunir em um só lugar as diversas faces do prisma cultural, envolvendo criadores, produtores e plateia. E assim segue até hoje. Em teatro, o espaço segue priorizando o debate sobre a prática e a teoria de processos de criação, com ciclos de leitura, ensaios abertos e oficinas, além dos espetáculos propriamente ditos. 

Na música, abre-se espaço tanto para shows quanto para oficinas instrumentais, sala de projeção, onde acontecem mostras e ciclos; área para exposições e realização de conferências e debates. A literatura resiste em diversos projetos, sendo o mais consolidado deles o Centro de Experimentação Poética, ou simplesmente CEP 20.000. Chacal, um dos idealizadores – e ainda atuante – do evento lembra que o Sérgio Porto é fruto de uma visão inclusiva e interativa de linguagens artísticas pensada por Gerardo Melo Mourão, presidente da Rioarte, e Darcy Ribeiro, um intelectual discêntrico, ameríndio e holístico. “Eles imaginaram um lugar onde tudo se misturasse, de palestras a videoteca. Um espaço que só podia ser mantido pelo poder público: um espaço experimental”, afirma.

O evento foi criado há mais de três décadas pelos poetas Guilherme Zarvos e Chacal e, misturando poetas, músicos, performers, atores, atrizes, videomakers e outras mentes criativas, revelou nomes como Tavinho Paes, Viviane Mosé e Michel Melamed.

Chacal é a alma do CEP 20.000

– O CEP – Centro de Experimentação Poética – 20.000, soube ser, num coletivo só, esse caldeirão múltiplo, a partir de juntar poesia, música, performance, juntando gerações, classes, gêneros, etnias pelo prisma da criação, do afeto e ser um barracão de escola de samba das letras, das liras e delírios dessa cidade de cultura artística caudalosa – define Chacal, para quem o evento é seu jeito de pensar cultura com a galera da rua, da esquina do bairro.

Ao longo desses 32 anos de existência, o evento segue buscando, na linguagem do poeta, “preservar essa vibe de turma, galera, pessoas se atravessando. Já já vira uma banda, um bloco, um coletivo de poetas, um grupo de dança, de teatro, como a Blitz, o Asdrúbal Trouxe o Trombone e a Nuvem Cigana”, atesta Chacal, que tem 14 livros lançados e dá aulas e oficinas de poesia por todo o Brasil. Neste período pós-pandemia, os encontros do CEP têm acontecido na última quarta-feira do mês, mantendo o conceito original de misturar o novo com o estabelecido, como aconteceu neste mês de outubro, com as participações da jovem Paloma Ripper e o experiente Bernardo Vilhena.

A importância afetiva, musical e cultural do Espaço Cultural Sérgio Porto é enorme em todos os segmentos. O maestro e percussionista Celso Alvim, morador do Jardim Botânico, avalia que o CEP 20.000 foi muito importante para tudo o que ele veio a fazer em música e para o que ele é como músico e carioca: “O CEP 20.000 sempre foi uma experiência poética e artística interessantíssima. E depois vieram os projetos que eu participei como músico e que começaram no Sérgio Porto, como o Pedro Luís e a Parede, que surgiu numa edição do CEP. O primeiro ano da Oficina do Monobloco foi lá também foi lá”, recorda ele, que diz ter sido muito influenciado por grandes shows que viu lá, como os de Arícia Mess e Antonio Saraiva.

Fotos do acervo de Chacal, exceto a segunda, com Pedro Lima e Nicolas Ventura ao piano, de Joana Amora.

No final dos anos 1980, Bruno Levinson integrava um grupo que invadia os vagões do metrô para ler poemas e acabou caindo na rede de Chacal e do CEP 20.000. Assim surgiu o Humaitá Pra Peixe, festival de novos talentos idealizado e realizado pelo jovem jornalista. O HPP começou em 1994 no Espaço Cultural Sérgio Porto e seguiu até 2010 revelando nomes que se tornariam expoentes da música brasileira, como Marcelo D2, Mart’nália, Maria Gadú e Seu Jorge.

Para Bruno, morador da Fonte da Saudade, poucas cidades do mundo têm um espaço tão plural, tão aberto, tão democrático quanto o Sérgio Porto. Um lugar onde, segundo ele, “há mais de 30 anos a cultura mais ‘livre’ do Rio vem sendo criada, fomentada e apresentada”.

Bruno no comando de uma das edições e exemplos de artes usadas na divulgação do festival.

– Uma das características que nos torna humanos é nossa capacidade de sentar em roda. Só a gente senta em roda. O Sérgio Porto sempre foi uma roda muito aberta. Lá a gente viu, ouviu e escreveu a história. Para mim, ali é a maior, a melhor e a mais importante roda do Rio de Janeiro. O que seria de mim sem o Sérgio Porto! – admite.

A dança também encontrou espaço no Sérgio Porto. Lá aconteceram inúmeras apresentações de companhias nacionais e internacionais, além de edições de eventos importantes, como o Panorama da Dança Contemporânea. A coreógrafa Esther Weitzman destaca as inúmeras possibilidades de mover a arquibancada como um dos maiores diferenciais do teatro: “Sempre foi difícil conseguir uma pauta no Sérgio Porto. Minha companhia estreou lá no ano 2000 o espetáculo ‘Terras’ e desde então busco me apresentar ali, sendo que a última vez foi em 2019, com ‘Histórias que Inventamos Sobre Nós’”, recorda.

Esther Weitzman Cia de Dança e Debora Lamm no palco do Sérgio Porto.

A flexibilidade e mobilidade do espaço cênico agrada igualmente a turma do teatro, como afirma a atriz Debora Lamm, vizinha do espaço: “Eu estive em cartaz algumas vezes no Sérgio Porto. É um espaço plural pela diversidade de pessoas que chegam ali e pela disposição móvel de seu espaço cênico, que permite adequar a plateia da melhor maneira para cada espetáculo”. Ela lembra ainda que ali costumam acontecer reuniões importantes da classe artística, assumindo papel de destaque no meio cultural da cidade. O diretor Daniel Herz faz coro e destaca o caráter democrático do Sérgio Porto:

– O lugar foge à lógica comercial do lucro imediato e investe-se na cultura como um leque amplo de possibilidades para que cada vez mais possamos pensar a nossa existência em sociedade – acredita Herz, morador do Jardim Botânico.

Nas artes visuais, fizeram história no então galpão a grande coletiva “3.000m3”, de Waltércio Caldas, José Resende, Cildo Meireles, Antonio Dias, Artur Barrio, Tunga e Umberto Costa Barros, com curadoria de Everardo Miranda. Nos anos 1990, o Sérgio Porto tornou visível a produção de artistas que, mais tarde, viriam a se consagrar nacional e internacionalmente, entre eles Ernesto Neto, Ricardo Basbaum, Márcia X. e Efrain Almeida. O Sérgio Porto foi pioneiro ainda no intercâmbio de artistas e curadores de diversas nacionalidades, com o projeto Residência de Artista, em meados dos anos 1990, e o programa Curador Visitante, em 2000.

A reabertura do Espaço Cultural, em junho de 2021, trouxe mais uma novidade: a Feirinha do Sérgio Porto. O evento reúne, em sua área externa, gastronomia, moda, acessórios, decoração, brechós e atrações de música e poesia. Durante sua 6ª edição, em setembro, foi lançado o projeto “Ciclista Paga meia”, com a inauguração de um bicicletário, a fim de incentivar o uso de bicicletas no acesso ao local. Um movimento diferente para manter a roda do Sérgio Porto sempre girando.

Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto
Rua Humaitá, 163.

*Por Betina Dowsley

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