1 de junho de 2023
PRECISAMOS FALAR SOBRE O TABAGISMO

Foto: Eva Hambach/AFP

A pneumologista Margareth Dalcolmo cedeu o artigo “Vape: engano e nocivo”, escrito para o Jornal O Globo para ser replicado também no JB em Folhas no Dia Mundial sem Tabaco. 

VAPE: ENGANOSO E NOCIVO,

Consideramos que a proibição desses produtos de tabaco aquecido seja uma conquista para o país a ser mantida, e com apoio da sociedade

Texto: Margareth Dalcolmo

Comemora-se o Dia Mundial sem Tabaco, em 31 de maio, por uma iniciativa dos Estados membros da OMS, com o objetivo de estimular as campanhas antitabagismo, já exitosas em alguns países, como o Brasil, que desde o início dos anos 1980, vem trabalhando nessa conscientização com o apoio do Ministério da Saúde, da comunidade científica e sociedade civil. Nosso resultado é reconhecidamente positivo na redução drástica do número de fumantes.

Hoje, com o impacto alcançado no país, com menos de 10% da população de fumantes de cigarro, e em outros países mais desenvolvidos, se fossemos considerar o maior causador de doenças pulmonares evitáveis, esse seria, sem dúvida, os cigarros eletrônicos ou dispositivos de tabaco aquecido, travestidos de objetos glamurosos a incentivar adolescentes e até crianças a se iniciarem no vício.

A classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde classifica o tabagismo como uma enfermidade no grupo dos transtornos comportamentais devidos à substâncias psicoativas, por conta da extrema e rápida dependência química da nicotina. Os produtos derivados do tabaco, pela sua alta morbidade como causadores de doenças pulmonares obstrutivas crônicas, e sem prognóstico de cura, como enfisema pulmonar, além do câncer do pulmão, estão demonstrados como dos mais nocivos à saúde.

A pergunta que não quer calar é: por que os maiores fabricantes de dispositivos são as empresas fabricantes de cigarros? Por que as fotos e propagandas são glamourosas, como o foram as de publicidade de cigarros nas décadas passadas? Não temos dúvida de que o argumento ora utilizado pelos fabricantes e até, a nosso juízo, erroneamente pelo serviço nacional de saúde do Reino Unido, há algumas semanas, de que usar dispositivos eletrônicos seria um passo intermediário para os que querem parar de fumar, é equivocado e falso. Isso porque a nicotina, que gera a dependência, é o atrativo, de par com as centenas de outras substâncias que compõem esses dispositivos, muitas das quais não divulgadas, assegurando que estamos no caminho de criar novas legiões de dependentes, e provavelmente pessoas que pararam de fumar cigarros, e voltarão ao hábito por esse caminho.

Os vapes, com formatos atrativos visualmente, são objetos de consumo relativamente baratos, e essa é a estratégia pela qual a indústria do tabaco mantém os consumidores adictos e perpetua seus lucros altíssimos. É consenso entre especialistas em doenças respiratórias que essa mesma indústria seja responsável por causar mais de 60 tipos de doenças e 12% dos óbitos no mundo, segundo estimativas da OMS, além de R$ 125 bilhões de gastos em perdas diretas e indiretas para a saúde, apenas no Brasil, conforme o relatório do Instituto de Educação e Ciências em Saúde (IECS 2020).

Ainda que sejamos abertos à discutir a descriminalização de algumas drogas, no cenário atual, consideramos que a proibição desses produtos de tabaco aquecido, como deliberado pela RDC nº 46 da ANVISA, em 2019, seja uma conquista para o país a ser mantida, e com apoio da sociedade. Ganhar consciência do dano e dos riscos indeléveis desse hábito, visto sobretudo pelos mais jovens e até adolescentes, como algo inofensivo e glamouroso, é fundamental para que consigamos evitar as consequências. Estamos certos, de que haverá um aumento substantivo de doenças respiratórias em decorrência do uso desses dispositivos, incluindo Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), câncer de pulmão, exacerbações da asma e a EVALI —síndrome respiratória aguda causada pelo uso de cigarro eletrônico, já relatada como causa de morte em jovens nos Estados Unidos,além de outras doenças cardiovasculares, circulatórias e neoplásicas potencialmente evitáveis.

O Brasil pode dar um novo exemplo positivo nesse campo, como logramos com a anti propaganda e todas as medidas restritivas adotadas nas últimas três décadas em prol do bem comum, mantendo os alertas sanitários e medidas regulatórias de comercialização, e usando as redes para informar. Nós médicos, seguiremos, à exaustão, nessa luta, sob pena de sermos coniventes com algo tão nocivo.

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