8 de setembro de 2022
UM SARGENTO PIMENTA DA MÚSICA E DAS LETRAS

Leandro Donner é um cara das artes, que circula pela música, literatura e audiovisual. Aos 34 anos, ele é um exemplo típico de sua geração multitarefa, sem carteira assinada, que se vira nos 30 para empatar as contas com os gastos. Morador da Gávea, Leandro está voltando para o Humaitá, aproximando sua casa de seus locais de trabalho: um estúdio, na esquina das ruas Capitão Salomão e Visconde de Caravelas – a mesma por onde passou o primeiro desfile do Bloco do Sargento Pimenta, que ajudou a criar em 2011 – e uma sala na Casa do Humaitá, no Largo dos Leões. O espaço tem múltiplas utilidades, sendo usado como base do Coral do Bloco do Sargento Pimenta, conduzido por ele e Marcelo Saboya desde 2018; e para projetos tão diversos quanto tese de mestrado, livro, roteiro, produção audiovisual e aula do curso de extensão da PUC-Rio “Beatles: história, arte e legado”, agora on-line.

Leandro é cria da Fonte da Saudade e do Humaitá. Na adolescência, foi com os pais para o Leblon, mas, assim que pôde, mudou-se para Botafogo, sempre de olho no Humaitá. Residia na Davi Campista quando casou e foi morar na Gávea. Atualmente, aguarda ansioso a obra de seu apartamento acabar para voltar ao Humaitá, após quatro anos tendo que cruzar o Jardim Botânico: “De bicicleta, levo de 20 a 25 minutos, uso esse tempo para ouvir um álbum completo”, observa ele, que estudou música na Uni-Rio e administração na PUC.

– Boa parte do meu trabalho hoje é musical, mas nunca fiz questão de me formar nisso. Muito do que aprendi na faculdade segue importante, especialmente as aulas de regência coral, com o professor Carlos Alberto Figueiredo, que foi também um dos grandes mestres do Marcelo. Fui me reencontrar com a academia nas Letras. Sempre li e escrevi muito e acabei me interessando pelo mestrado em “Literatura, cultura e contemporaneidade” – conta ele, que alcançou o título no ano passado.

Uma análise literária a partir de elementos da música foi o tema da tese de Leandro, que começou o curso antes da pandemia. Uma das coisas que lamenta nesse período foi o fechamento da biblioteca, mas, no cômputo geral, a pandemia foi produtiva para ele. Além da conclusão do mestrado, Leandro tornou-se pai, está terminando um livro de ficção – que tem como pano de fundo a cena política e musical efervescente dos anos 1960 no Brasil – e desenvolveu ferramentas para manter vivos os encontros musicais.

– Era preciso criar ferramentas on-line para manter o coral. Aprendi e ensinei aos alunos a gravar músicas, a operar programas de gravação… Foi um bom desafio fazer uma mulher de 75 anos se entender com celular, microfone, computador, tudo ao mesmo tempo e à distância – lembra ele, que passou cinco meses em Xerém, após o nascimento de Ravi, hoje com dois anos.

O coral do Bloco do Sargento Pimenta atravessou a pandemia no formato on-line e agora se reúne de forma híbrida (presencial e on-line) toda terça-feira, das 20h às 22h. Ao todo, são 20 inscritos, mas, de uma maneira geral, só 15 comparecem aos ensaios. Cecilia Belfort, uma das integrantes mais assíduas, bordou uma pequena colcha de retalhos, tomando como referência os quadradinhos formados no Zoom: “Os encontros do coral durante a pandemia de Covid-19 em 2020 foram muitas vezes nosso único contato fora da família. Sempre saímos mais leves, mais alegres e com esperança de dias melhores”, declarou ela na época. A turma segue animada, embalada por um repertório de clássicos dos anos 1960 e 1970, sendo a maioria deles dos Beatles, claro. Não faltam músicas de grupos como o The Mamas and The Pappas e dos Mutantes, “sempre bom cantar em português”. Tem até “I wanna hold your hand” em alemão, que, segundo o professor, “não tem mistério, é tudo fonema”.

A turma do Coral no Zoom e no bordado de Cecília Belfort. Fotos: acervo pessoal.

As apresentações com a banda do Bloco do Sargento Pimenta estão voltando aos poucos. Há 12 anos, Leandro é diretor musical e um dos vocalistas e guitarristas do grupo e destaca dois dos momentos mais marcantes dessa história. Um deles foi a viagem para Londres, em 2012, quando passaram 40 dias na cidade, realizando oficinas para formar um bloco lá e se apresentar nas Olimpíadas. Ir para a Bahia em agosto deste ano foi muito especial também: “Aquela terra tem um negócio… Fizemos um show em Trancoso e depois ficamos 12 pessoas numa casa, tocando. Foram dias de reconexão do bloco, dos músicos, ainda estamos reestabelecendo nossas conexões e a Bahia teve esse papel importante agora”, avalia.

Além do coral e dos shows com a banda do Sargento Pimenta, outras fontes de renda de Leandro são aulas de música (violão e arranjos); seu estúdio 123, em sociedade com Pedro Tie e Mahmundi; e a agência Gafanhoto, com sede em Belo Horizonte e clientes como Ambev e Globo Minas, para a qual está desenvolvendo o projeto “Taça das Favelas”:

– Cada projeto tem uma natureza, faço muita coisa remotamente, em outras me envolvo mais e, às vezes, preciso ir pra lá. Minha parte neste projeto é escrever sobre os 32 times. Em geral, escolho os projetos que eu gosto mais ou aqueles que posso contribuir mais. Este ano tenho tido mais trabalhos como redator e na ativação de marcas. Fico alternando, numa época escrevo mais, noutra toco mais, e assim vou empatando as contas e fazendo tudo o que gosto – explica a estratégia adotada por muita gente que atua no segmento cultural.

Da Gávea ao Humaitá, é tudo o mesmo maciço, mas cada bairro tem seus prós e contras. Morar na rua Marquês de São Vicente é prático, com fácil acesso para a praça Santos Dumont e o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, mas o barulho intenso o incomoda. Leandro acredita que voltar a morar no Humaitá vai tornar seu trabalho ainda mais produtivo, podendo tirar um tempo maior para sentar e se desligar uns minutos do mundo ao redor. “Eu sinto necessidade de me movimentar, ir pra rua, andar a pé, sentar no café Botânica ou no Mercado das Delícias, na Cobal, que tem um waflle ótimo… O Humaitá tem esse mix de agito, mas também uma certa tranquilidade”, afirma o músico, que frequenta o Clube dos Macacos e curte as cachoeiras do Horto. “Em geral vou à da Gruta porque é mais perto e fácil. Dá para ir com meu filho, é só colocá-lo na mochila nas costas”.

A interrupção abrupta da ciclovia na altura do Espaço Cultural Sérgio Porto é uma coisa que incomoda o adepto da bicicleta como meio de transporte. Para ele, conectar o trecho que falta aliviaria bastante o trânsito mesmo para quem não está nem aí para isso. Além da mobilidade, Leandro acredita que os problemas de seu “microcosmo” são desmatamento (preocupa-se com o que vem acontecendo no terreno do IMPA, na rua Barão de Oliveira Rocha); e a remoção de moradias (uma prática que se arrasta há décadas e que afeta o Horto). Leandro se preocupa é o estado de abandono da Cobal e a ameaça de venda do terreno para construção de um conjunto de prédios:

Leandro na Casa do Humaitá. Foto: Chris Martins.


– A Cobal é o coração do bairro, um lugar propício para o passeio. Um condomínio ali vai transformar o bairro só em passagem. Quero evitar que o Humaitá vire uma coisa “rodoviaresca” – alega ele, fazendo mea culpa por não se envolver nas questões da região a ponto de produzir diferença em sua vizinhança.

As atenções de Leandro agora estão voltadas para a mudança da família para o Humaitá, avaliando os espaços mais adequados para frequentar com uma criança pequena. Suas referências são a praça Santos Dumont e a do Planetário, que garantem uma boa distância da área de lazer para os carros; coisa que não acontece na pracinha do Largos dos Leões.

– Eu sempre gostei da natureza, frequento áreas verdes, faço compostagem e quero que o Ravi cresça um pouco com isso. O Parque do Martelo e a Lagoa não são tão perto. Estou reconstruindo caminhos para descobrir o mais adequado para andar com ele de bike – afirma Leandro, que já percebeu uma mudança de hábito: passou a frequentar mais o restaurante Aurora, um pouco mais silencioso e vazio do que os outros bares do mais badalado cruzamento do Humaitá.

Aula aberta do Coral do Bloco do Sargento Pimenta – Comemoração de quatro anos
Terça-feira, 13 de setembro, às 20h
Casa do Humaitá: Rua Alfredo Chaves, 48 – sala 5
Inscrições aqui https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeuXLS1xUFWn7ffONG90tmd9d85tkdICd_uAs8vRIJLRMjjDw/viewform
Gratuito

*Por Betina Dowsley

Foto em destaque: Chris Martins.

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