Escondida no Parque da Cidade, ao lado do Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro, a Capela de São João Batista é singela, como a cantiga popular infantil, entoada nos festejos juninos. Construída em 1922, ela tem capacidade para pouco mais de 20 pessoas e ficou fechada ao público durante um terço de sua existência devido a uma polêmica provocada pelos painéis decorativos pintados para a celebração de seus 50 anos. Nesta sexta-feira, porém, o clima será de festa, com a celebração da missa em homenagem ao Dia de São João, às 15h.
No início do século passado, a chácara e o solar Santa Marinha pertenciam ao português João de Carvalho Macedo Júnior e sua esposa, Teresa de Jesus Teixeira (sobrinha do Conde de Santa Marinha). Foi ela quem encomendou a construção da pequena capela consagrada a São João Batista, onde eram celebradas missas aos domingos e feriados. A fachada tem inspiração nas igrejas medievais, com sua porta e janelas em arcos ogivais, muito usados na arquitetura gótica. No interior, o teto tem forro de madeira, mesmo material usado no altar; enquanto o piso é de azulejo hidráulico. As paredes estão cobertas por painéis de tecido, escondendo os murais pintados pelo artista baiano Carlos Bastos, convidado pela Associação de Amigos do Museu da Cidade, em 1972, para retratar a vida e a morte de São João Batista.
A polêmica começou antes mesmo da conclusão do trabalho do pintor. O problema é que o artista decidiu utilizar as feições de pessoas de destaque no cenário cultural e político do país na representação de figuras sacras, prática muito comum na Renascença. Nos afrescos de Bastos, São João, por exemplo, era seu conterrâneo Caetano Veloso, Djanira tornou-se Santa Isabel e Pelé ganhou asas de anjo. Outras celebridades da época que também podiam ser facilmente reconhecidas na pintura eram Dorival Caymmi, Vinícius de Moraes, Jorge Amado, Gal Costa, além de Di Cavalcanti e sua musa Marina Montini e do então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici.
Os protestos vieram de todos os lados. A igreja considerou uma heresia; e o trabalho desagradou tanto ao governo, que considerou um desrespeito com o presidente, como aos opositores do regime, que viram ali uma homenagem à ditadura militar. Muitas das personagens pintadas chegaram a ser modificadas, numa tentativa de satisfazer a igreja; entretanto, Bastos teria se recusado a apagar a imagem de Médici. O imbróglio foi parar até no livro “A Casa do Rio Vermelho”, em que Zélia Gattai narra suas memórias:
“Os murais, que ainda precisavam de retoques, ficaram inacabados. Ao chegar para trabalhar certa manhã, como habitualmente fazia, Carlos Bastos encontrou a porta da capela trancada e lacrada. Cometera a heresia de misturar aos santos, pecadores comunistas, os mais perigosos: Jorge Amado, Vinicius de Moraes, Di Cavalcanti, Caetano Veloso, Djanira… Ao mesmo tempo, Carlos Bastos colocara entre eles o presidente Médici, tido e havido como inimigo dos comunistas, presidente das perseguições, das prisões e das torturas. Carlos não era político, de política e de seus partidos ele nada entendia, sua única intenção fora a de retratar os amigos de sua admiração e de seu bem-querer, sem restrições, e pessoas em evidência na época, nada mais que isso”.
Os murais de Carlos Bastos ficaram inacabados e levaram à dessacralização da capela, que ficou fechada ao público por cerca de 30 anos. A devolução do caráter sagrado ao espaço ocorreu em outubro de 2021, quando o Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro, Dom Paulo Celso, celebrou a primeira missa desde 1971. Atualmente, a capela de São João Batista fica aberta à visitação nos finais de semana, com missas no terceiro sábado do mês.
Capela de São João Batista
Museu Histórico da Cidade do Rio de Janeiro
Parque da Cidade – Estrada de Santa Marinha, Gávea
Visitas: sábado e domingo, das 9h às 16h.
Missas: terceiro sábado do mês, às 14h, celebradas pelo padre jesuíta Paul Schweitzer.
Missa pelo Dia de São João Batista: sexta-feira, 24/6, às 15h, celebrada pelo Bispo Dom Celso.
Gratuito.
São João Batista
Dia 24 de junho é Festa de São João! Antes dos festejos juninos, a data celebra o nascimento de São João Batista, uma das figuras fundamentais da Bíblia, conhecido por ter batizado Jesus Cristo, nas águas do rio Jordão, rito até hoje importante nas religiões cristãs. Os relatos Bíblicos contam a história da voz que se ouviu, quando João batizou Jesus, dizendo “este é o Meu filho amado no qual ponho toda a minha complacência”. Referem-se ainda a uma pomba, que esvoaçou sobre os dois personagens dentro do rio, relacionando essa ave com uma manifestação do Espírito Santo. João Batista tinha muitos seguidores e usava o batismo como símbolo de purificação da alma.
Folclore
Quanto à música “Capelinha de melão”, esqueça a miniatura de igreja, feita de melão, decorada com cravos da índia e ramos de manjericão. Segundo o antropólogo Câmara Cascudo, o termo “capelinha de melão” refere-se a “um grupo de foliões dos festejos populares sanjoanenses, ornados de capelas de folhagens, marchando em grupos em demanda do milagroso banho”. Para completar, é bom lembrar que, em Portugal, “capela” pode significar uma coroa de flores ou folhas, ou seja, “de cravo, de rosa ou de manjericão”.
*Texto e fotos: Betina Dowsley
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