27 de junho de 2024
MORADORES DO HUMAITÁ SE UNEM CONTRA CONSTRUTORA

Nesta edição, o Rolé da Chris pede licença para abrir seu espaço para a moradora Julia Guarilha, jornalista aposentada, que integra a Comissão Humaitá Verde. Ela relata neste texto a história de pequenos guerreiros (no caso ela e seus vizinhos) que uniram forças contra a (gigante) construtora Tao, dona do empreendimento HUM, que vai ocupar o terreno do antigo terreno do Colégio Padre Antonio Vieira. A antiga gritaria de crianças brincando no pátio da escola deu lugar às britadeiras para subir um condomínio com 92 apartamentos, divididos por três blocos em um espaço estreito (como mostra a foto abaixo). Na propaganda eles oferecem o que não pode dar: sossego à vizinhança. Uma cena comum neste Rio de Janeiro loteado e rifado por grandes construções, que tem incomodado muita gente. 

A diferença está na atitude destes moradores que deixaram o medo e o comodismo de lado e se uniram – em ações e vakinhas – para bancar peritos e advogados e bradar pelos seus direitos de cidadãos que pagam impostos. O objetivo não é impedir a construção, mas fazer com que ela seja erguida dentro da legalidade e que atenda o interesse de quem está na região há muito mais tempo e merece respeito. E por respeito, leia-se não ter um vizinho com a distância de um metro entre um prédio e outro.

Júlia e seus companheiros foram à luta e já conseguiram vantagem no primeiro round: após verificar a documentação apresentada pelos advogados, o Ministério Público instaurou inquérito civil, solicitando esclarecimentos à construtora. Existe um longo caminho de negociação pela frente, mas a força do coletivo ajuda a não desanimar. E aos poucos, a Comissão Humaitá Verde vai se tornando um bom exemplo que, se for seguido, vai deixar esta cidade muito melhor. 

 

Grudadinhos: O terreno estreito vai abrigar 92 apartamentos em três blocos.

Ameaça a um bairro outrora tranquilo– Júlia Guarilha*

Uma casa centenária, uma escola tradicional, três frondosas mangueiras e duas palmeiras imperiais desapareceram de um mesmo terreno no número 52 da rua Humaitá, no Rio de Janeiro – RJ. Os tapumes já anunciam a chegada de mais um monstruoso condomínio, com grande quantidade de apartamentos em um estreito terreno daquela região da Zona Sul, que vive mais um boom imobiliário. 

A novidade da situação, comum no vizinho bairro de Botafogo com mais de 30 prédios em construção, é que os moradores do entorno da obra no Humaitá resolveram comprar uma briga com a incorporadora e a Prefeitura do Rio de Janeiro. Desde que descobriram qual o destino dado ao tradicional Colégio Padre Antonio Vieira, se organizaram e formaram a Comissão Humaitá Verde, que foi atrás para conhecer o projeto, avaliar seu impacto na vizinhança e o respeito à legislação de zoneamento e edificação do bairro. 

Passaram-se meses até que conseguissem ter acesso ao “inteiro teor” da obra, como é chamado o documento que detalha o projeto de engenharia e arquitetura da construção. O documento que deveria ser público estava classificado como “sigiloso” nos canais de acesso à informação da Prefeitura. Enquanto isso, a destruição avançava no terreno, com a derrubada das árvores e a demolição de quase toda a casa centenária, imóvel com classificação de “preservado” pelo Instituto Rio Patrimônio da Humanidade. “Preservado” mesmo ficou apenas a parte frontal da edificação, principal chamariz do empreendimento, por sua característica de “preservação histórica”.

De posse do documento, a Comissão Humaitá Verde, composta por moradores de 4 condomínios e outros vizinhos da obra, foi em busca de profissionais para uma avaliação técnica e assessoramento do grupo. Se mobilizaram fazendo vaquinhas e buscando a colaboração de profissionais engajados na causa, dispostos a serviços pro bono. 

O grupo também buscou apoio da Associação de Moradores do Humaitá (Amahu) e se fortaleceu com a experiência de diversos movimentos sociais mobilizados em torno da questão urbana e ambiental da cidade. O empreendimento da rua Humaitá, 52 está listado na relação de obras com irregularidades, objeto do pedido de CPI do Licenciamento Urbano e Ambiental, de iniciativa da vereadora Luciana Boiteaux com apoio de 26 entidades e movimentos sociais. Entre outros, constam da lista a tirolesa do Pão de Açúcar, a reforma do Jardim de Alah, o aterramento da borda da Lagoa de Jacarepaguá.

Sustentável pra quem? As mangueiras do colégio foram cortadas sem dó nem piedade. (Foto: divulgação)

Essa nesga de terreno (em torno de 11 metros de largura), onde pretendem construir um prédio estreito e alto foi uma escola, com quadra, pátio, árvores e muitos pássaros. Além das questões de segurança e engenharia em razão da localização e características do terreno, a nova construção impacta a vizinhança, com redução de luminosidade e ventilação e aumento da temperatura. Fora o consequente adensamento populacional e seus reflexos no trânsito, nas redes de esgoto e pluvial já saturadas da região de Botafogo e Humaitá.

Nada disso parece importar para a ganância do mercado imobiliário e seu marketing de fachada. O empreendimento do Humaitá se apresenta como único, sustentável e histórico. Exatamente o contrário da realidade que seus vizinhos testemunham diariamente conforme a obra avança.

Muito menos, se pode contar com o poder público, a quem caberia a defesa de uma cidade habitável. As pautas de mobilidade urbana, sustentabilidade e preservação de áreas verdes se contradizem com a prática de autorizações para construção de mais prédios em bairros densamente povoados, corte indiscriminado de árvores (aumento de 180% em 2023), desrespeito à legislação de zoneamento e urbanização. “Rio, Cidade do G20” é mais uma peça publicitária, tão enganosa quanto a do empreendimento da rua Humaitá, 52.

*Júlia Guarilha  está aposentada há 14 anos. Foi bancária e  jornalista. É diretora e voluntária na Ong Comitê Elos da Cidadania.
Mora no Humaitá há 37 anos, sendo que por 30 teve três mangueiras como vizinha, que foram recentemente derrubadas por uma motosserra.

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