1 de março de 2024
OS CONFRONTOS DA MATERNIDADE EM XEQUE

Texto: Chris Martins                                              Fotos: Elaine Eiger (entrevista) | Nil Caniné (peça)

O embate entre mãe e filha já foi cantado, declamado e encenado diversas vezes, no cinema, no teatro e na TV.  Seja qual for a mídia, tem público para aplaudir, chorar e se identificar. É o que as atrizes Silvia Buarque e Guida Vianna vêm conferindo através de sessões esgotadas da peça “A menina escorrendo dos olhos da mãe”, que estreou no começo de janeiro e fica em cartaz até 31 de março no Teatro Poeirinha, em Botafogo.  

Elisa e Antonia discutem e tentam quebrar a barreira de gelo entre mãe e filha.

Mais do que a relação entre três gerações da mesma família, seus encontros e desencontros, o espetáculo chama a atenção para a homofobia, o posicionamento da mulher nos dias atuais e coloca o dedo na ferida na hipocrisia da sociedade em relação à comunidade LGBTQIAPN+. Só para se ter uma ideia, cerca de 20 milhões de brasileiras e brasileiros (10% da população), se identificam como pessoas LGBTQIAPN+, de acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT). Deste total, 92,5% relataram o aumento da violência contra este segmento, segundo pesquisa da organização de mídia Gênero e Número, com o apoio da Fundação Ford. 

Em cena, as duas atrizes se dividem entre os papéis de mãe e filha em diferentes tempos.  Quando o espetáculo começa, Guida é Elisa, que aos 70 anos reencontra Antonia, com 50, interpretada por Silva. As duas estão afastadas há algum tempo e tentam quebrar a barreira de gelo criada pela homofobia da mãe, que não aceita o relacionamento da filha com outra mulher. Esta, por sua vez, aproveita o momento para revelar um segredo: quando nova, teve uma criança e doou para adoção. Na segunda parte, a peça tem uma passagem de tempo de 20 anos e Guida agora é Antonia aos 70, que vai ao encontro da filha esquecida, interpretada por Silvia. Quatro personagens para duas atrizes que fazem interpretações magistrais no pequeno espaço do Poeirinha, a partir do texto de Daniela Pereira de Carvalho e da direção de Leonardo Netto, com o auxílio luxuoso do trabalho corporal desenvolvido por Márcia Rubin.

– A peça é surpreendente ao mesmo tempo densa, reflexiva e coloca a gente para pensar. Após a sessão, recebemos o público que se identifica com as personagens e falam sobre suas  experiências com aborto e a reação dos pais. As relações afetivas é o que nos move – relata Silvia, que assina também a produção.

O momento é especial para a atriz de 54 anos, que está completando 38 anos de carreira. Depois de alguns anos dedicada ao audiovisual – com filmes como “Mais Pesado que o céu”, de Petrus Cariry, que ainda não estreou e a série Betinho: no Fio da Navalha -, ela está de volta ao teatro   A peça marca o encontro de Silvia com a autora. “A minha história com a Dani atravessa os anos. Recentemente ela me procurou dizendo que queria escrever uma peça sobre mãe e filha e foi me mandando o texto, à medida que ficava pronto. Eu me encantei e decidi produzir logo. Achei que era a hora”, completa ela, que teve o prazer de escolher a equipe, incluindo Guida Vianna, com quem nunca tinha trabalhado.  

 Na cena, Guida agora é Antonia e Silva, Helena.

– Quando você tem um processo criativo positivo e alegre, tudo se encaixa. Forma a tal da “coxia boa”, como se diz no teatro.  E o Leo (diretor) proporcionou isso. Sem falar da Guida, que foi um presente e deu super certo. Foram dois meses de ensaio e não teve uma rusga. E na hora de escolher uma parceira,  de outra geração, para ser minha mãe, me interessou muito que fosse ela, com sua bagagem de teatro. Mais do que uma atriz que tenha forjado sua carreira na TV.  – explica a atriz.

Guida aproveita o gancho para reforçar: “Na vida, a gente tem momentos chaves, pequenas viradas e esta peça tem este significado para a Silvinha, era o momento dela fazer a escolha dela e assumir seus riscos, e ela comandou tudo muito bem. – diz a atriz que, assim como a sua personagem, completa 70 anos em novembro e 50 de carreira em 2025 e que também teve o seu momento de virada. 

– Aos 50 anos decidi montar uma peça para mim, a partir do texto “Mulher desiludida”, de Simone de Beauvoir. Foi um monólogo e representou a minha virada profissional de atriz para protagonista. As pessoas passam a te olhar de outro modo, diferente do que o habitual. É um momento importante, que a gente promove.- lembra ela, que já fez cinema e TV,  especialmente em comédia. Mas ela admite que sua paixão é o teatro.  “Não conseguiria viver tanto tempo dedicada à TV. Eu vou faço um trabalho diferente, mas logo estou de volta ao palco”, afirma. 

Ao falar da região onde moram – Silvia no Jardim Botânico e Guida no Humaitá – elas veem muitas semelhanças entre os bairros. “O Humaitá parece um pouco o JB, com suas paralelas charmosas. A rua Miguel Pereira é uma maravilha!”, afirma a mãe de Irene, que gosta de frequentar a Cobal, especialmente para comprar flores e trocar uma prosa com André, da Mercearia Dom Luiz, mas confessa que depois da pandemia ficou mais preguiçosa e acaba circulando perto de casa. Guida, que deu aula no Tablado por 30 anos e viveu no JB, faz o estilo andarilho, está sempre caminhando. “Faço tudo a pé, vou andando até a Gávea onde tenho aula de alongamento, na Dalal Achcar. Adoro passear pelo Jardim Botânico e pelo Parque Lage”, diz. A dupla compartilha a preocupação com o ritmo acelerado das construções nos dois bairros.  Para elas, a construtora Mosak está acabando com os prédios pequenos e fazendo o  mesmo que a Sérgio Dourado fez nos anos 1970 em Ipanema. 

A dupla analisa as personagens da peça e elegem Antonia, como a mais densa, e  Elisa, como  complexa.  Mas Silvia acaba revelando sua preferência: “Eu mergulhei fundo em Antonia, pela carga emocional que ela carrega. Mas tenho xodó por Helena. Quando ela entra em cena, é um oásis para mim.” Guida destaca a inteligência do texto.  “A gente acaba revezando a energia das personagens. uma sempre é mais pesada do que a outra e o Leo (Netto) deu o ritmo certo. Ele não dramatiza o drama.” 

Durante a entrevista, com a editora Chris Martins

A sintonia entre as atrizes deu tão certo que foi além do palco.  Silvia e Guida são mães de filhas únicas – Irene, 19 anos e Julia, 40, respectivamente –  e estão sempre trocando ideias e experiências. Guida revela, em tom de brincadeira, que por conta da proximidade, pediu licença à Marieta para ser mãe da Silvia durante a temporada da peça. Ao analisar a maternidade, elas seguem juntas, afirmando que mãe é tudo.  “Tenho atração pelas mães, porque elas erram muito, mas com tanto amor que se justifica. Eu amo desesperadamente minha filha, mas tenho certeza de que errei muito, a vida inteira. É amor demais para uma vida só, uma grande preocupação.”, confessa Guida, Já Silvia é direta: 

– Minha mãe é minha melhor amiga. Não vivo sem ela.

SERVIÇO 

“A menina escorrendo dos olhos da mãe”

Teatro Poeirinha 

Rua São João Batista, 104 – Botafogo 

Tel: (21) 2537-8053 

HORÁRIOS: quinta a sábado às 20h e domingo às 19h 

INGRESSOS: R$ 80 e R$40 (meia) 

DURAÇÃO 75 min  | GÊNERO: drama | CLASSIFICAÇÃO: 14 anos  TEMPORADA: até 31 de março

FICHA TÉCNICA 

Texto: Daniela Pereira de Carvalho

Direção: Leonardo Netto

Elenco: Guida Vianna e Silvia Buarque

Cenário e Figurinos: Ronald Teixeira

Iluminação: Paulo Cesar Medeiros

Direção de Movimento: Márcia Rubin

Trilha Sonora: Leonardo Netto

Direção de Produção: Celso Lemos

Produção: Silvia Buarque

*Agradecimento especial ao Atelier Fernando Jaeger, que cedeu o espaço para a entrevista. 

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