13 de outubro de 2022
AURA MUSICAL BRASILEIRA AOS PÉS DO REDENTOR

O Dia da Música Popular Brasileira foi criado em 2012 pela então presidente do Brasil Dilma Rousseff. A data escolhida foi 17 de outubro, dia em que Chiquinha Gonzaga nasceu.  Desde 2005, o Instituto Moreira Salles, localizado na rua Marquês de São Vicente, é o responsável pelo acervo da compositora, pianista e maestrina, que reúne mais de mil partituras, fotografias, textos manuscritos, cartas, bilhetes, recortes de jornais e outros documentos.

Abençoada pelo Cristo Redentor, a região que abrange, além da Gávea, o Jardim Botânico, o Humaitá e parte da Lagoa Rodrigo de Freitas encanta músicos e inspira canções dos mais variados gêneros ao longo dos anos. Aqui viveram Vinícius de Moraes, Tom Jobim, Moraes Moreira, Elza Soares, Dorival Caymmi… E ainda vivem, entre outros, os cantores e compositores Wagner Tiso, Marisa Monte, Leila Pinheiro, Pedro Luís, Joyce e Toni Platão. Sem falar em estúdios de gravação – como o Nas Nuvens, que marcou época e ainda resiste – escolas de música, blocos de carnaval e rodas de samba.

Vinícius de Moraes nasceu em 1913 em uma chácara na esquina das ruas Lopes Quintas e Corcovado, onde, atualmente, há uma placa em sua homenagem no prédio 390, da rua Lopes Quintas, que correspondia, na época, ao número 114. Pelo menos em duas ocasiões, Vinícius viveu na Gávea, na mesma rua das Acácias, onde morreu de edema pulmonar.

Contemporâneo de Vinícius, Dorival Caymmi chegou ao Rio de Janeiro em 1938, quando, conforme a música de sua autoria, “peguei um Ita no Norte / pra vir pro Rio morar / adeus, meu pai, minha mãe”. Antes de estabelecer-se em Copacabana, no início da década de 1950, a família morou na casa de número 125, da rua Professor Saldanha. Em depoimento para o livro “Dorival Caymmi: o mar e o tempo”, escrito por sua filha Stella Caymmi, Nana Caymmi disse guardar boas lembranças de lá: “Eu adorava as festas juninas que os moradores organizavam, com uma fogueira enorme no meio da rua”.

Já o maestro Tom Jobim, parceiro do “poetinha”, morou na rua Peri antes de construir sua própria casa, na rua Sara Vilela. A obra teve início em 1979, mas só em 1983 ficou pronta. Foi ali que o maestro reuniu seus livros, seus discos, sua família e seus amigos até falecer, há quase 30 anos. Frequentador assíduo do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Tom cantou suas belezas em muitas de suas músicas. Hoje tem sua obra reunida e acessível para consulta no próprio parque, no Instituto Tom Jobim, e foi homenageado com um monumento em frente ao Chafariz das Musas, pertinho de sua árvore favorita.

A passagem de Elza Soares pela região foi rápida e turbulenta, especialmente em seu segundo endereço. A cantora viveu com Garrincha em dois lugares. De 1967 a 1969, moraram na avenida Borges de Medeiros, no mesmo lugar onde, mais tarde, funcionaria o Mistura Fina, casa de shows de jazz e MPB. Certa vez, ao encontrou o jornalista Xico Sá no local, ela apontou o palco da casa e disse que era lá eu ficava a cama dela com o “Mané”, como chamava o craque das pernas tortas.

Da Lagoa, mudaram-se para a rua Engenheiro Alfredo Duarte. Elza costumava brincar com os filhos na rua, até que um dia, em 1970, a casa da família foi metralhada com todos dentro. Segundo a própria narrou ao humorista e apresentador Fábio Porchat, embora apenas o segurança tenha sido ferido, o atentado levou o casal a ir embora para a Itália.

Outro que deixou saudades foi Moraes Moreira. O cantor e compositor morava na Gávea havia anos e faleceu em abril de 2020, vítima de um infarte. Moraes estava sempre circulando pelo bairro e gostava de tomar café da manhã, aos sábados, na antiga padaria Gávea Shop, que ficava na esquina das ruas Marquês de São Vicente com a Professor Manoel Ferreira. O programa era ficar conversando e cantando com amigos e vizinhos ao longo de três a quatro horas, lembrou o jornalista Evandro Teixeira, seu comensal, em recente entrevista ao JB em Folhas. Figura querida no bairro, Moraes Moreira foi homenageado pela vizinha Juliana Sucupira, que, logo após a morte do baiano, cantou algumas de suas músicas da mesma janela de onde se consagrou entoando “Ave Maria”, de Gounod.

A aura musical segue viva nos inúmeros estúdios da região. O Nas Nuvens foi o primeiro a aportar no bairro, em 1984, e teve entre seus sócios Gilberto Gil, o músico e produtor Liminha – primeiro baixista do grupo Os Mutantes –, além dos engenheiros de som Ricardo Garcia e Vitor Farias. Por um tempo, a sociedade contou com a participação de André Midani, na época presidente da Warner, e funcionou como extensão da gravadora, cuja sede ficava na rua Itaipava. No estúdio, foram gravados álbuns marcantes do pop rock nacional, como os de Paralamas do Sucesso, Kid Abelha, Titãs, Lulu Santos e o de estreia de Chico Science & Nação Zumbi. Atualmente, Liminha segue à frente do Nas Nuvens ao lado de Vitor Farias. 

Roberto Frejat, que gravou ali vários álbuns do Barão Vermelho na década de 1990, lembrou “da senhora que corria para a janela para reclamar do barulho a cada vez que a porta se abria para alguém entrar ou sair a qualquer hora do dia ou da noite”, relatou ao JB em Folhas, em 2014. Atualmente, o cantor, compositor e guitarrista tem seu próprio estúdio na Fonte da Saudade, pertinho de onde mora.

Abrir espaço para seus próprios “escritórios” perto de casa foi o caminho escolhido também por Dado Villa-Lobos, morador da Gávea, com estúdio no Horto. Inaugurado em 2008, o cantinho do guitarrista da Legião Urbana pode ser visto no “Estúdio do Dado”, programa do canal a cabo BIS, gravado em 2014. Na época, o músico explicou que adaptar uma casa antiga e tombada para funcionar como um estúdio de gravação com boa solução de aúdio não foi tarefa das mais fáceis. A evolução tecnológica da música hoje permite que muitos artistas tenham estúdios em casa, com o tamanho ideal para ensaiar e registrar seus próprios trabalhos, como Katia B., Fernanda Abreu e João Barone (Paralamas do Sucesso).

E a música segue viva em rodas de samba e eventos musicais nas ruas e praças da região. Sem falar que há pelo menos quatro escolas por aqui: o Centro de Música e Tecnologia Luciano Alves, a Oficina da Bateria Rui Motta (ambos na Fonte da Saudade), a Escola de Músicos do Jardim Botânico e a School of Rock. No mais, é deixar o mato crescer, o vento soprar, a rosa se abrir e “passarim” cantar. A natureza, por si só, dá samba!

*Por Betina Dowsley

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